#AUTORA                       

capitulo8






- Ela falou a verdade, Raul? – Lizzie perguntou depois de quase quinze minutos em silêncio.
Ela virou para fitá-lo, e ele assentiu com um olhar sério e sincero. Lizzie engoliu em seco e fungou. Sentia-se imensamente mal pelo o que tinha idealizado e acreditado sobre sua mãe por todos aqueles anos quando não sabia da verdade.  Agora a verdade a golpeara como um soco forte em seu estômago.
Raul pousou a mão sobre o ombro direito de Lizzie.
- Você conseguiu o que queria, agora é só se acostumar. Não fique se torturando – aconselhou racionalmente com uma voz tranquila – Você precisa é cuidar desse corte e depois se focar em um problema realmente importante!
Ele inclinou a cabeça, olhando-a alertamente.
Lizzie segurava a mão ferida, pressionando-a e tampando o ferimento. O sangue já não escorria em grande quantidade.
- Qual problema? – franziu o cenho.
- Controlar seu instinto demoníaco.
- Instinto demoníaco? Como assim? – Lizzie arqueou a sobrancelha desentendida.
- Seu espírito tem traços malignos naturais, e isso se intensifica à medida que você não entende essa natureza e não controla – Raul falava enquanto gesticulava com as mãos – Você sentia-se e sabia que era diferente, mas não sabia que diferença era essa. Precisas recuperar o tempo perdido o quanto antes! – Os olhos de Raul realmente transmitiam significância à sua explicação. Lizzie preocupou-se.
- Mas o que poderia acontecer? Que traços malignos são esses? – perguntou curiosa e receosa com a resposta.
- Ora Lizzie, você foi gerada fisicamente por dois humanos, mas o espírito de um deles na verdade tratava-se de um demônio. Assim como um demônio, parte da sua alma anseia por tudo aquilo que essas criaturas se “nutrem”- Raul pausou, mas notou que Lizzie estava ainda mais confusa e prosseguiu – Prazeres carnais, emoções aparentemente negativas aos humanos... Parte de você deseja isso!
Lizzie abriu a boca na involuntária intenção de retrucar o que Raul dizia, pois se negava a aceitar tal realidade. No entanto, ela se lembrou de todos os pesadelos estranhos que costumava ter, sempre recheados de erotismo e crueldade.
Raul apertou o canto dos lábios e ergueu a testa como quem diz sem falar nada “Viu! Eu estou certo!”
- Pense bem... Sempre houve confusão e tragédias acontecendo à sua volta – Lizzie arregalou os olhos, imaginando automaticamente que ele insinuava que a culpa daquilo era dela, então Raul tratou de apressar-se a explicar melhor antes da menina murmurar alguma coisa – Não estou dizendo que você causou isso diretamente, mas é preciso entender que tudo na vida é reação dos nossos pensamentos e sentimentos. Se você deseja ou pensa muito sobre alguma coisa, acaba atraindo isso pra si. No nosso caso, a situação é ainda mais intensificada! Temos forças espirituais ainda mais superiores que cooperam e aceleram isso. Sua mente não desejava essas coisas ruins, mas parte da sua alma sim.
Lizzie coçou a cabeça bastante transtornada. Não era algo muito difícil de compreender, mas a conversa com Teresa poucos minutos antes com certeza a deixara bastante desnorteada.
- Ok, falamos sobre isso depois. Vá cuidar desse corte e descanse – Raul falou segundos depois de Lizzie desejar mentalmente que tal problema fosse discutido em outro momento.
Será que ele sempre lê meus pensamentos? – pensou. Ela não sabia se ele fazia aquilo propositalmente ou se era algo inevitável, a questão é que parecia que Raul sempre sabia exatamente o que ela pensava, e às vezes aquilo incomodava. Como quando ela terminara de pensar exatamente isso.
Raul sorriu sozinho.
Lizzie se levantou e foi fazer o que ele sugerira. Lavou o corte em sua mão esquerda e o cobriu com curativos. Depois tomou banho e foi direto dormir.
Fechou os olhos, mas rapidamente voltou a abri-los. Tinha ouvido um barulho, e parecia ter vindo da sala.
Ela não teria ficado curiosa com o barulho se Raul ainda estivesse lá, mas ele também já tinha se recolhido para o quarto há alguns minutos antes de ela fazer o mesmo. Ele pode ter voltado – tentou ser lógica.
O barulho ecoou novamente e desta vez mais alto. Lizzie abriu os olhos, incomodada. O ruído lembrava o som de alguma coisa sendo arrastada, bem parecido com o causado por uma cadeira.
Lizzie se disse algumas vezes pra deixar o barulho pra lá e permanecer na cama, mas estava realmente curiosa, e o ruído não estava deixando-a dormir; Então se levantou da cama e abriu a porta do quarto. Olhou para os dois lados do corredor e não avistou ninguém. O único sinal de luz era uma sombra clara e fraca refletida na parede bem ao fim do corredor. A luz vinha da sala, e isso fez Lizzie pensar que então alguém estava lá, e provavelmente, causando o tal barulho que persistia num volume gradualmente mais alto.
- Raul?! – sua voz saiu mais baixa que o esperado, e enquanto caminhava em direção à sala, Lizzie percebeu que suas mãos tremiam. Ela não entendeu o porquê daquilo, pois não sentia medo ou frio. Chamou pelo homem mais duas vezes, mas não obteve resposta.
Envolveu os braços em torno de si quando sentiu uma brisa gélida cruzar sua pele ao chegar ao fim do corredor. Deu de cara com uma sala desconhecida, bem diferente da sala de Raul que ela conhecia. A mesa de jantar e as cadeiras estavam no meio da sala, e todos os outros móveis haviam sumido. Uma luz alaranjada e forte iluminava o centro da sala, fazendo um círculo quase perfeito exatamente em cima da mesa. 
Mas não foi o estado da sala que a assustou, e sim a presença de três figuras: sua mãe, Zack e Tito. Teresa estava sentada numa cadeira, Zack estava de pé parado ao seu lado e a sombra negra de Tito estava atrás da mesa – Seu contorno seria imperceptível se não fosse a luz sobre eles, pois o resto da sala estava imersa numa intensa escuridão e silêncio. Era possível escutar em ótimo volume o som de sua respiração.
Lizzie arregalou os olhos e sua garganta secou. Gaguejou alguma coisa sem sentido, mas então Zack se aproximou. Ela voltou a se calar diante do jovem a sua frente, sorrindo galanteador. Ele usava calça jeans e estava sem blusa, exibindo sua bela forma e o peitoril suado. Os olhos de Lizzie percorreram o corpo do rapaz sem disfarçar. O sorriso dele se abriu, mostrando dentes branquíssimos e perfeitos.
Ainda sem dizer uma palavra, Zack aproximou-se mais, deixando o rosto a poucos centímetros de distância do de Lizzie, o que quase causou faíscas de tão intenso que ficou a troca de olhares entre os dois. Quando Zack passou a língua para umedecer seus lábios de um jeito bem sensual, Lizzie não se segurou mais e o beijou.
Aquela situação não era nem um pouco racional ou não fazia qualquer sentido, mas ela não estava ligando. A única coisa em que pensava era no desejo de tocar o rapaz, de envolvê-lo e senti-lo, e até mesmo o beijo ardente e caloroso que trocavam não pareceu suficiente pra saciar essa vontade.
Foi então que um de seus olhos ficou levemente entreaberto, e Lizzie voltou a perceber a presença das outras duas figuras ainda ali, apenas observando-os. Franziu o cenho e afastou seus lábios dos de Zack, que retrucou. Ela ficou olhando de um para o outro, finalmente tentando buscar qualquer explicação coerente para aquela “reunião”. Zack abafou um riso, repetido por Teresa, que levantou da cadeira. Deu alguns passos lentos e parou atrás de Zack.
Lizzie reparou que não havia odor de carne apodrecida como acontecera nos outros encontros com Teresa, embora sua aparência continuasse a perfeita tradução de morte.
De repente, Teresa ergueu um facão com a mão direita, e passou o braço na frente de Zack, parando o objeto na direção do pescoço do rapaz. Os olhos de Teresa brilhavam, assim como o sorriso em sua boca. Lizzie desesperou-se com a insinuação da mãe, mas antes de poder impedi-la ou gritar alguma coisa, Teresa perfurou a pele de Zack com o objeto, cortando o pescoço dele de um lado ao outro. Instantaneamente uma grande quantidade de sangue jorrou, escorrendo pelo seu peito nu até manchar o jeans.
Lizzie abaixou-se assim que Zack desabou no chão, abraçando-o já aos prantos. Ela inclinou a cabeça pra fitar Teresa, que a olhava maleficamente.
- Porque você fez isso?!berrou. Olhou para o corpo de Zack e quase se engasgou com o próprio choro.
- Eu fiz? – questionou. Uma risada feminina quebrou o som de seus soluços. Pensou ser de Teresa, mas a voz não parecia a da mãe... A risada era mais jovem, mais familiar... Parecia com a dela.
Lizzie voltou a levantar os olhos pra confirmar o que tinha imaginado: Não era mais Teresa quem estava de pé segurando o facão, e sim ela mesma, Lizzie. O sorriso dela era ainda mais peçonhento.
- Sim... Eu fiz – se respondeu e deu mais algumas risadinhas agudas. Lizzie não se reconhecia em si mesma, ainda que fosse inegável que aquela de pé ela era mesma. A mesma voz, mesma aparência, mesma roupa de dormir...
Ela olhou em volta da sala e não achou a figura da mãe em lugar algum, no entanto, Tito estava mais próximo, bem atrás da “outra” Lizzie.
Engoliu em seco, mas preferiu ignora-los e retomou a atenção à Zack em seu colo. Quando levou a mão até o rosto do rapaz para tirar algumas madeixas de cabelo caídas sobre o mesmo, Lizzie assustou-se. O facão estava em sua mão completamente suja com o sangue de Zack, assim como quase toda a sua roupa. Ela deixou o objeto cair, estalando no chão, e seus olhos correram pra cima. A “outra” Lizzie não estava ali. Não havia ninguém.
- Porque você fez isso? – Zack sussurrou com esforço, fitando-a com olhos apavorados. Havia pânico em sua expressão.
Lizzie acordou subitamente. Estava no quarto, embaixo do cobertor, sozinha.
Seu coração estava disparado e sua respiração ofegante, mas suspirou aliviada. Foi um sonho... - concluiu.
Levantou com preguiça. Esfregou os olhos diversas vezes pra ter certeza de que estava de fato acordada e foi até o banheiro. Lavou o rosto, escovou os dentes e foi direto pra sala. Raul estava habitualmente sentado em sua poltrona segurando uma xícara e lendo alguma coisa. Dessa vez, era café e jornal.
Ainda abalada pelo dia anterior e o pesadelo daquela madrugada, Lizzie se quer trocou ‘Bom Dia’ com Raul, que parecia bastante concentrado em sua leitura e também não fez questão de lembra-la dos bons modos.
Lizzie estava com fome, pois a barriga roncando denunciava isso, mas não sentia vontade de comer. Os roncos eram facilmente confundidos com um forte embrulho no estômago.
- Seria bom você comer. Ficar mais forte – aconselhou Raul, de repente, ainda com os olhos grudados no jornal – Fraca fica difícil de enfrentar o que...
- Não quero enfrentar nada! – interrompeu ríspida. Os olhos de Raul então encontraram os de Lizzie. Encararam-se – Não preciso enfrentar mais nada – completou com a voz um pouco mais baixa.  Ela não sabia de onde tinha tirado tanta pose.
- Não quer? Não precisa? – arqueou a sobrancelha, depois se levantou, jogou o jornal sobre a poltrona, pousou a xícara na mesa de centro e deu alguns passos em sua direção – Acho que eu não expliquei o que acontece com aqueles que são gerados por um demônio, contei? – grunhiu entre os dentes.
Lizzie engoliu em seco, sentia-se intimidada. Balançou a cabeça negativamente como uma criança que não queria levar mais esporro, arrependida de ter falado de forma grosseira. Ela sabia que Raul só queria ajudar.
- Acho que você conhece as famosas doenças mentais e psicológicas, certo? Esquizofrenia, Transtorno de Personalidade, Epilepsia, Psicose e até mesmo Síndrome de Pânico. Tudo isso que a ciência encontrou respostas de como acontece cientificamente, na verdade, tem como fonte e causa a parte demoníaca do seu espírito quando fica fora do controle e conhecimento da pessoa. Você quer contar com a sorte de se tornar uma exceção e não despertar uma dessas doenças, ou prefere enfrentar a realidade e tomar o controle sobre si mesma e suas habilidades? – o tom de Raul era aquele típico de bronca, e seu olhar estava mais sério do que nunca.
Lizzie sentiu-se completamente idiota. E não, com certeza, ela não queria passar o resto de sua vida trancada num manicômio. Portanto, não havia nenhuma resposta sensata se não concordar com o que Raul falava.
- Tá... O que devo fazer? – perguntou passiva. Raul respirou fundo e começou a andar de volta para sua poltrona. Pegou a xícara de café e deu um pequeno gole antes de responder.
- Tudo! Fazer tudo – havia uma insinuação no jeito que Raul falara que Lizzie não compreendia – Sabe Lizzie, o que há em você não pode ser retirado ou anulado! No máximo, controlado – seu olhar caiu decepcionado – Então dê o que essa natureza quer. Dê prazeres carnais!
Lizzie franziu o cenho tentando entender direito o que ele acabara de dizer.
- Prazeres carnais você diz.... ? – o tom questionador ficou evidente. Ela tinha algumas hipóteses sobre o que ele sugeria, mas Lizzie ruborizou só em pensar, e pensar em falar.
- Badalação, drogas, adrenalina, sexo principalmente... – Lizzie, sem notar, arregalou os olhos, constrangida. Raul arqueou a sobrancelha – Você não é mais virgem, né Lizzie? – a pergunta na verdade só era pra confirmar algo que ele aparentemente já sabia; E quando Lizzie pretendeu dizer sim, ela soube que não seriam necessário palavras. Pensar era o suficiente com Raul, e pela primeira vez, ela não se incomodou com isso porque não se sentia nem um pouco a vontade pra falar sobre o assunto com ele ou qualquer outra pessoa.
 - Mas, não vejo sentido... Porque eu deveria fazer essas coisas? – perguntou confusa.
- Tudo que pode acontecer com você vai ser justamente por não alimentar essa energia negativa existente.  Você fazendo isso, estará satisfazendo-a, o que é positivo. Se você não fornece esses prazeres, essa energia vai consumir você, sua sanidade, sua felicidade...
Lizzie já estava pronta pra perguntar se passar a viver uma vida digna de filme americano universitário ou de um adolescente rebelde, não poderia acabar resultando também em alguma coisa ruim. Raul respondeu imediatamente ao seu pensamento.
- A grande armadilha é essa. Como humanos tais prazeres podem ser fatais! – contraiu os lábios e bebericou o café – Quantas pessoas realmente usam drogas com controle sobre elas, ou por quanto tempo conseguem não ficarem viciadas, por exemplo? A solução pra não se deixar adoecer ou enlouquecer por essa energia é simples e fácil teoricamente, mas na prática, pode acabar te levando ao mesmo destino...
Lizzie conseguiu ouvir um murmuro quase inaudível de Raul no fim da frase. “Malditos”, foi o que ele disse, referindo-se provavelmente aos demônios e suas mentes maliciosamente espertas. Lizzie repetiu a palavra mentalmente, consentindo. Malditos!
- Então o meu desafio é gozar de prazeres carnais sem me deixar dominar e viciar?
- Inicialmente. Se você fizer isso com sucesso, estará forte e se sentirá incrivelmente bem e feliz... O que acabará resultando num desempenho muito melhor com suas habilidades.
O “se” usado no começo da frase incomodou Lizzie. Raul dera uma entonação especial àquela palavra.
- Se? – franziu o cenho.
- Vou ser sincero Lizzie... – o volume da voz de Raul diminuiu e sua expressão tinha traços de preocupação – Considerando sua idade e o tempo que você passou desconhecendo tudo isso, vai ser muito difícil! Você é frágil, vulnerável... E eu acho que você só não desenvolveu surtos e coisas do tipo até agora por conta do sacrifício da sua mãe – Raul contraiu os lábios como quem dizia “Desculpa aí, mas essa é a verdade”. Lizzie preocupou-se.
Ele estava completamente certo.
“... Sacrifício da sua mãe” – repetiu mentalmente e lembrou-se da conversa com Teresa. Sentiu um forte aperto no coração. Em seguida, determinada a mostrar pra ele, pra si mesma e qualquer um que duvidasse, Lizzie inspirou fundo e suspirou.
- Ver ser difícil, mas eu vou conseguir. Você vai ver – falou com firmeza.
Raul sorriu orgulhoso pela determinação nas palavras de Lizzie, mas seu olhar permanecia preocupado. Lizzie, no entanto, queria tirar de sua cabeça qualquer pensamento negativo. Ela queria provar que era forte o suficiente pra não ser submissa de si mesma. E em pensar nisso, Lizzie quase riu. ‘Mas que situação esquisita essa... Meio humana meio demônio’ – resumiu mentalmente.
Raul passou o resto do dia fora, e como Lizzie não conhecia absolutamente nada naquele bairro e não tinha opções do que fazer, ficou assistindo programas de televisão e pensando sobre a vida – e as coisas que descobrira sobre ela. No fim da tarde, Raul chegou em casa bastante agitado, segurando algumas sacolas.
- Trouxe exatamente o que você precisa pra começar a se... satisfazer – exclamou, sacudindo as sacolas.
Raul sentou-se ao lado de Lizzie no sofá, colocou as sacolas no chão e de dentro delas tirou uma garrafa de vodka. Estendeu-a pra Lizzie, que olhava um pouco intrigada. Na verdade, a cena no fundo lhe foi engraçada: Um homem de meia idade que as vezes parecia mais jovem do que ela que tinha 18, oferecendo uma garrafa com bebida alcoólica com um sorriso confortável no rosto.
- Pegue e aproveite muito! Não foi barato – brincou. Lizzie segurou a garrafa, uma Skyy.
- E... Eu bebo aqui? – perguntou tímida. Como ela jamais bebera vodka, ou qualquer coisa tão forte quanto a bebida, Lizzie não tinha ideia de como ela ficaria bêbada. Alias, passar vergonha na frente de Raul também não era uma ideia muito atraente.
- Aonde você achar melhor – respondeu pegando as sacolas e levantando-se – De qualquer forma, eu não passarei a noite em casa. Tenho que ajudar uma pessoa numa cidade próxima e só retorno daqui dois dias!
Raul levou as sacolas para a cozinha e organizou o resto das compras no armário. Na sala, Lizzie encarava a Skyy como se fosse uma prova de escola. Aproveitou que Raul estava na cozinha, e abriu a tampa com esforço. O cheiro logo lhe tomou as narinas. Torceu o nariz; O que não era de se esperar outra coisa, considerando que era a primeira vez que se apresentava a uma vodka.
- E tem mais isso aqui – Raul voltou da cozinha, puxando alguma coisa do bolso da frente da calça – Abra a mão – ordenou. Lizzie obedeceu, e ele colocou em sua palma um tipo de comprimido cor de rosa embalado num pequeno pedaço de plástico. Ela o olhou com interrogação.
- O que é?
- Ecstasy.
Lizzie franziu o cenho. Não sabia como ou com quem aprendera, mas mesmo sendo pouco informada sobre as coisas do mundo, ela sabia que esctasy era uma droga. E se Raul dar uma garrafa de vodka seria em, circunstancias “normais” um tanto quanto inconveniente, imagine lhe oferecer uma droga sintética!
- Vai, pegue. Acho que essa é a mais “tranquila” pra você usar de vez em quando.
Ela pegou e guardou o pequeno comprimido no bolso da calça que usava - roupa que também pertencia a tal amiga de Raul.
 Ele sorriu e depois jogou uma bolsa-maleta no ombro.
- Bom, acho que você tem tudo o que precisa pra ficar bem durante esses dois dias. Cuide-se! Deixei um número de contato pendurado na geladeira, qualquer coisa, ligue! Olhe a casa, ok?! – despediu-se, fechando a porta em seguida.
Lizzie estava só. Apenas a televisão lhe fazia certa companhia. Ah, e agora, a vodka em seu colo. Olhou-a desafiadora, aproximou o nariz e deu outra fungada. O cheiro ainda lhe era muito forte! Inevitável não fazer uma careta.
Olhou sua volta, e viu-se sozinha numa casa tão moderna e elegante. Sentiu falta da casa modesta de Martin e os jantares que compartilhava com ele, Lucy e... E Zack.
Foi então que percebeu como tinha esquecido totalmente de Martin e Lucy nos últimos dias. Sentiu-se mal por não procurar saber que “fim” levara a história de Martin preso e a morte de Lucy.
Sou uma ingrata! – e xingou-se mentalmente.
E depois tinha Zack. Sonhara com ele naquela madrugada, mas não pensava no garoto desde que chegara à casa de Raul. Ela queria negar pra si mesma, mas agora que estava sozinha e que descobrira basicamente tudo o que queria, sentia falta dele.
E ainda sou uma egoísta, oportunista! – ofendeu-se novamente.
Tomada por uma onda súbita de coragem e ousadia, Lizzie levou a garrafa aos lábios e deu um longo gole do líquido.
Sentiu a garganta queimar, arder como nunca sentira algo arder em toda a sua vida. Nem mesmo o corte em sua mão esquerda no dia anterior queimara de tal forma. O gosto também não era nem um pouco apreciável, mas por algum motivo, Lizzie não se intimidou. Apertou a garganta, sentindo a bebida descer quente dentro de seu corpo, mas depois não conseguiu acreditar em como suportou tal sensação de forma tão amena.
“Bem que o Raul podia estar aqui pra assistir isso” – pensou orgulhosa.
Triunfante, virou a garrafa mais uma vez, e na segunda, a queimação foi menos intensa e o gosto era de vitória. Era uma coisa boba, mas Lizzie sentia-se vitoriosa por lidar com a vodka de um jeito suave, quando a maioria das pessoas ingere um pequeno gole fazendo careta. Ela, no entanto, estava sorrindo.
Se no terceiro gole ela ficou ainda mais contente, no quarto a cabeça pesou. Era como se o cérebro latejasse na parte de trás, fazendo a cabeça “cair” involuntariamente. Mas isso não a fez desanimar. Lizzie riu, achando graça daquela sensação estranha.
E riu de todas as outras coisas que foi sentindo conforme ia bebericando a bebida, e de qualquer outra coisa minimamente tosca, tendo graça de verdade ou não; Desde um noticiário com matérias sobre assaltos em caixas eletrônicas que passara na televisão, até sobre a conversa intrigante que tivera com a mãe.
- Otária! – berrou sozinha, rindo com força, referindo-se ao que a mãe dissera sobre ter se matado pra protegê-la. Levantou-se do sofá e começou a cambalear em volta da mesa de centro – E você também Zack! Um idiota, canalha! – completou, erguendo a garrafa em direção à figura do rapaz que acabava de se materializar na frente da porta. Ele a olhava abismado.
- O que você tá olhando seu otário? Xô, some, some! – exclamou para o que ela achava ser uma projeção fantasmagórica de Zack, fazendo um gesto para que ele fosse embora. Em vez disso, ele começou a andar em direção de Lizzie. Ela riu com a garrafa colada em seus lábios.
- Você acha que pode me assustar usando a aparência do Zack, seu fantasma de merda? Vai precisar muito mais do que isso.
Mas conforme Zack se aproximava ainda calado, os risos de Lizzie foram parando, transformando-se em receio. Não estava com medo, mas até mesmo bêbada, a imagem de Zack andando em sua direção com aquela expressão vazia, a deixara intrigada.
Lizzie recuou, quase tropeçando em seus próprios pés. Sua visão estava bastante abalada.
- Some! Vai embora! – murmurou, com a voz mais baixa do que desejara.
Sem olhar pra trás, Lizzie acabou batendo o calcanhar na poltrona, caindo em cima da mesma. Zack continuou caminhando em passos curtos e lentos, mas quando chegou a poucos centímetros de Lizzie, levantou os braços como quem pede ‘calma’.
Lizzie estremeceu, deixando a garrafa cair e bater no chão derramando a vodka no belo tapete de Raul. Ele não ia gostar daquilo quando chegasse.
- Lizzie acalme-se. Está tudo bem – uma voz paciente saiu da boca do Zack que se debruçava na frente de Lizzie. Ele acariciou seu rosto e depois tirou alguns fios de cabelo caídos no mesmo – O que você acha que está fazendo? – um hálito refrescante de menta substituiu o cheiro de vodka que Lizzie vinha sentido nos últimos minutos. O toque sobre sua pele e a respiração pesada dele sobre o rosto dela não a deixava mais se enganar: Aquele era mesmo o Zack. O Zack de verdade, não um “fantasma” como sua mente bêbada estava imaginando e ela estava acreditando.
Lizzie passou os dedos pelo maxilar de Zack, até parar enroscados em uma madeixa do cabelo do rapaz.  Ela sorriu, inconscientemente, maliciosa.
- Chegou na hora certa – sussurrou com uma voz convidativa – Uma festa privada, que tal?
Tentou fazer um olhar sensual e Zack não resistiu, riu. Lizzie na verdade estava enxergando duas imagens de tudo, e estas ainda estavam contorcidas. Ela achou que estava olhando pra ele, mas tinha encarado sensualmente um espaço vazio ao seu lado.
- Achei que você ainda estaria brava comigo – indagou.
Lizzie se levantou, vacilando sobre os pés. Com Zack tão próximo, eles acabaram trombando. Ela riu devassa.
- Deixa o passado no passado – as palavras de Lizzie saiam tão emboladas quanto seus pés, e foi preciso Zack prestar bastante atenção pra entender o que ela falava.
- Isso significa que está tudo bem? Não quer mesmo que eu te explique nada? – arqueou a sobrancelha.
Lizzie deu um tapinha em seu peito.
- Não hoje... Não agora – ela envolveu os braços em seu pescoço, fitando-o ainda com dificuldade. Zack a analisava desconsertado. Ela fechou os olhos, aproximou o rosto do dele, e quando estava a dois centímetros de seus lábios, Zack afastou sua cabeça.
- Lizzie, eu não acho que a gente deva fazer isso – murmurou ofegante, contendo-se.
- Isso o quê? – sua voz tinha um tom libidinoso que ela em sua sã consciência jamais reconheceria. E era o que acontecia com Zack naquele momento.
- Bem... Er, não sei... – gaguejou.
Ela sorriu satisfeita e voltou a aproximar seus lábios dos dele. Beijou-o salaz.
Uma de suas mãos enlaçava os cabelos de Zack. Ele chegou a envolver a cintura dela, mas então se controlou e acabou hesitando novamente.
- Isso não está certo – criticou entre os lábios de Lizzie. Irritada, abriu os olhos e empurrou-o.
- Certo?! Porque isso seria errado? – vociferou não entendendo o comportamento de Zack. Ela estava ali, dada pra ele, esquecendo o beijo dele com Summer e não se importando em como ele parara na casa de Raul. Seu olhar... Seu cheiro... Tudo mostrava claramente como Lizzie desejava o rapaz.
-Eu vim aqui conversar com você...
- Eu não quero conversar! – havia manha em sua voz, como uma criança mimada querendo um brinquedo que não querem dar.
Zack contraiu os cílios, exaltado.
- Você sempre ficou me perguntando sobre minha vida, sobre Summer e tudo o mais. Agora que eu venho aqui, pronto pra te contar, você não quer saber?  Você é maluca. Ma-lu-ca!
Lizzie gargalhou. Levantou o indicador perto do rosto de Zack e subitamente ficou séria, encarando-o.
- Com certeza...
 E seus olhos ficaram ternos e profundamente diferente daqueles olhares sensuais que ela tentava forçar. Zack também a encarou por uns segundos, ambos em silêncio. Até que então, ele puxou-a pela blusa e beijou-a com desejo.

Lizzie acordou no dia seguinte com a sensação de que tivera dormindo por dias. Sentia um forte enjoo e sua cabeça doía, assim como todo o seu corpo. As lembranças da noite anterior ainda não lhe eram claras, e de fato, não se lembrava de praticamente nada. A única coisa que se recordava bem era Raul chegando com a garrafa e depois saindo. Entre esse episódio e aquele dela acordando, só conseguia se lembrar de mais uma coisa: Zack. Zack estivera com ela na noite passada! Ela só não sabia como, afinal, não tinha entrado em contato com ele desde que saíra de sua casa, então como ele sabia onde ela estava?
“Deve ter sido um sonho... Uma ilusão mesmo” – pensou.
De repente ela percebeu que estava em sua cama e obviamente não se lembrara de quando e como foi parar lá, tão aconchegada em baixo de um cobertor bem arrumado. Aliás, ela suspeitava fortemente de que não estava usando aquela blusa masculina anteriormente. Podia sim ter trocado, mas novamente, não se recordava de ter feito aquilo. Perguntou-se também, que blusa era aquela. Não estava no meio da bolsa de roupas emprestadas pela amiga de Raul, e não sabia dizer se pertencia a ele. 
Sentia-se incomodada pela falta de lembranças e pelo desconforto corporal. Levantou-se e andou, sem muita força nas pernas, até o banheiro. Quando chegou à porta que estava encostada, ouviu o barulho de água caindo, provavelmente do chuveiro, denunciando que tinha alguém ali.
“Será que eu dormi por dois dias e Raul já chegou?”
Mordeu os lábios. Pensou em espiar pela fresta da porta, ou então bater nela e perguntar alguma coisa. No entanto, sem muito compreender o súbito comportamento ousado e não muito educado, ela abriu a porta sem anunciar a entrada.
Zack tomava banho, e não pôde evitar o susto quando Lizzie apareceu de repente.
- O que você faz aqui? – ela perguntou com o cenho franzido. Lizzie não saberia dizer se estava nervosa com a) Zack ter ido até lá b) ele ter ido e ela ter permitido c) ela ter permitido e ainda ter passado a noite com ele d) ele ter se aproveitado da falta de controle dela graças à vodka pra passar a noite com ela e) ter acontecido tudo isso, ele ainda estar na cada de Raul e ela não se lembrar de nada que acontecera.
- Pensei que não ia acordar nunca – Zack falou com um sorriso de canto, sem deixar de continuar ensaboando-se.
Lizzie desconcentrou-se por uns segundos enquanto admirava o corpo nu e atlético de Zack coberto de sabão. A água escorrendo pelos seus músculos definidos, o cabelo molhado jogado pra trás deixando seus olhos verdes em evidência, aquele sorriso sem graça... Era realmente uma cena agradável.
Lizzie piscou os olhos excessivamente, espantando qualquer imagem “convidativa” daquele banho de Zack.
- Você não respondeu. O que faz aqui? – perguntou novamente, dessa vez mais impaciente.
Zack ficou desentendido. Enxaguou-se com pressa, fechou o chuveiro e enrolou o baixo ventre numa toalha. Saiu do box e se aproximou de Lizzie, fitando-a.
- Não se lembra de nada, né?
Ela balançou a cabeça negativamente.
- Quando eu cheguei aqui, você estava completamente bêbada. Eu tentei conversar com você, mas você não queria. Estava incontrolável e... E assanhada! respondeu desajeitado.
- Fizemos alguma coisa?
- Não se preocupe. Só nos beijamos...
Lizzie envergonhou-se por dentro, mas não quis demonstrar nenhum tipo de arrependimento ou vergonha pelo comportamento que tivera.
- Então porque você ainda está aqui?
- Você tentou de vários modos, sabe... Fazer aquilo comigo. Eu não estava entendendo nada! Não te reconheci. Mas eu não achei correto aproveitar da sua situação...
Lizzie estava pronta pra interromper, mas Zack levantou a mão pedindo por calma.
- Aí você acabou vomitando, fez algumas baixarias e então eu te limpei, troquei sua roupa e te coloquei pra dormir. Foi isso – concluiu com um tom seco. Lizzie coçou a cabeça, totalmente constrangida em seu interior. Principalmente porque ainda não conseguia se lembrar de nada, e mesmo sabendo que Zack pudesse talvez estar mentindo, no fundo ela sabia que tinha feito coisas vergonhosas.
- Eu acabei dormindo no sofá. Até esquentei um café, mas você não acordou e não quis fazer isso. Você precisava descansar mesmo. Então vim tomar banho e é isso! Se quiser que eu vá embora agora, é só falar que eu vou.
Lizzie endireitou a postura e cruzou os braços. Sabia que estava por baixo naquela situação, mas não ia se deixar diminuir por isso. Por mais legal e respeitoso que Zack tivesse sido naquela noite, ela ainda estava magoada e ressentida. Agora, sóbria, ela lembrava bem disso e do porquê!
Ela queria realmente mandá-lo embora por orgulho, mas não queria que ele fosse. Viu-se numa rua sem saída.
- Faça o que quiser – respondeu, enfim, friamente.
Ela deu uma última espiada no peitoril e abdômen úmido de Zack e depois saiu do banheiro.
Lizzie voltou para o quarto e deu uma rápida olhada no espelho. O cabelo estava bagunçado, o rosto pálido e amassado e usava apenas calcinha e aquela blusa masculina preta que provavelmente era de Zack.
Ela estremeceu de susto quando ele de repente entrou no quarto. Desta vez, estava com a calça jeans, mas continuava exibindo o peito e braços atléticos.
- Olha só Lizzie, essa é a nossa última chance de esclarecer todos os assuntos. Eu não irei voltar, não irei te procurar mais. Se quiser conversar, estou disposto agora – disse afobado, olhando-a seriamente. Lizzie, no entanto, ignorou completamente o que o rapaz acabara de dizer. Estava mais interessada em outra coisa. Uma questão que realmente queria esclarecer.
- Como você soube que eu estava aqui? –encarou-o. Zack continuou calmo, e nesse mesmo estado ele a respondeu.
- O Sr. Figins foi até minha casa ontem e me disse que você estava hospedada na casa dele.
- Sr. Figins?
- É, o Malcom. O dono da casa, oras.
Lizzie contraiu a testa, confusa. Ela estava pronta pra dizer que o dono da casa se chamava Raul e que Zack estava mentindo, mas então se lembrou do dia em que encontrara com Raul e ele mesmo estranhara o nome pelo qual Lizzie o chamara. De certo, Malcom era como as pessoas o conheciam em Trenton.
Talvez ‘Malcom Figins’ também não fosse o nome verdadeiro dele, mas se fosse, Lizzie iria se sentir bastante incomodada por até Zack saber e ela não. Raul, ou Malcom, jamais lhe dissera qual era de fato o seu nome, enquanto ele sabia tudo a respeito dela.
- Acho que te deram o nome errado, Lizzie. Se tivesse falado que procurava por Malcom Figins, eu e, provavelmente, todo mundo em Trenton saberia lhe dizer quem é. Ele é meio que famoso por aqui.
- É? Por quê? – arqueou a sobrancelha interessada.
- Bem, ele é um tipo de exorcista, médium ou sei lá. Só sei que todo esse povo supersticioso ou religioso o chama quando acham que está acontecendo algo sobrenatural em suas casas ou família – Zack abafou um riso, demonstrando certo ceticismo sobre o caso.
Lizzie teve vontade de perguntar o que Zack achava daquilo e se acreditava nos poderes incomuns de Raul, até mesmo pra saber o quão receptivo ele era sobre tais assuntos, mas ela não queria iniciar um papo com Zack. Parte de si continuava irritada e queria se mostrar fria.
- Aliás, o que você faz com ele? Não acho que ele seja uma má pessoa, mas com certeza ele é estranho...
- Isso não te interessa Zack. Não mais – respondeu seca e ele ficou visivelmente sem jeito.
Vê-lo com aquela expressão a fez se arrepender rapidamente, mas manteve-se indiferente com bastante dificuldade. Lizzie pretendia continuar com aquele jogo de respostas grosseiras até achar suficiente. A questão é: quando seria suficiente? Se ela realmente não queria continuar vendo ou falando com Zack, porque simplesmente não o mandava logo embora?
- Bom... Acho que você não me quer mesmo por aqui – mordeu o canto do lábio e fez um olhar penoso – Como eu disse, esse é o momento que me sinto confortável pra te contar tudo que quiser, e não sei se haverá outro. Se for o que você quer de verdade, não vou mais te procurar...
Lizzie engoliu em seco, vendo que Zack estava realmente determinado quanto ao que comunicava, e ela tinha receio de que ele fizesse isso com eficiência e nunca mais a procurasse de fato. Mas ela continuou quieta, olhando para os lados, fugindo daquela expressão infeliz do rapaz.
- É, acho que vou embora. Poderia me devolver a camisa? – pediu com timidez.
O coração de Lizzie, involuntariamente, acelerou. Ele iria partir mesmo, mas ela não conseguia evitar isso.
- Ok – ela passou a camisa pela cabeça e estendeu em direção de Zack. Inevitavelmente, ele olhou disfarçadamente para o corpo quase todo despido de Lizzie – Mande um abraço pra Summer – murmurou irônica. Zack agarrou a blusa e bufou irritado. Vestiu-a com pressa.
- Adeus, Lizzie – exclamou e caminhou até a porta, onde parou brevemente – É uma pena não ter dado certo. Eu gosto muito de você, de verdade – suspirou e então saiu.
Os olhos de Lizzie ficaram subitamente lacrimejados com a última frase e a partida de Zack, mas ela permaneceu imóvel no meio do quarto, incerta a respeito de seu comportamento frígido. Parte de sua mente desejava ter voltado atrás ou então sair correndo atrás de Zack pra impedi-lo de partir.

Nenhum dia fora tão tedioso quanto aquele.
Lizzie já estava cansada de ver televisão e folhear revistas. Não tinha dinheiro, e tinha certeza que Raul não deixara qualquer quantia, afinal, havia abastecido a geladeira e nada faltava em casa.
Aquilo de não ter absolutamente nada próprio e depender dos outros pra tudo chegara a um ponto profundo de vergonha para ela, que naquela tarde, decidiu de que iria caçar algum “bico” ou emprego pra parar de se sentir tão dependente. Afinal, já tinha 18 anos e agora que Raul a ajudara naquilo que ela precisava, não fazia sentido ela permanecer em sua casa como uma mendiga carente.
A noite caiu e Lizzie terminava de limpar o tapete que havia sujado com vodka no dia anterior, e não tinha mais ideia do que fazer para disfarçar o tédio que tanto a abalava. “Bem que podia ter sobrado um pouco de vodka...” – desejou fortemente. Mas foi então que Lizzie se lembrou do outro presente que Raul deixara: o ecstasy. Ela havia guardado no bolso da calça jeans que usou, mas Zack trocara sua roupa na madrugada e Lizzie não fazia ideia de onde ele teria colocado a calça.
Correu pela casa, estranhamente desesperada, em busca da calça. Parecia uma criança procurando ovos coloridos numa gincana de páscoa. Felizmente, encontrou o jeans jogado dentro do armário, e rapidamente fuxicou os bolsos, encontrando o comprimido embalado em um deles.
Aquela seria a primeira experiência de Lizzie com uma droga, e ela não sabia o que esperar. Não tinha ideia de como iria reagir, mas não se importava. Ela só queria encontrar algo que a distraísse, que lhe proporcionasse uma sensação de felicidade e que fizesse sua mente perder todos os sentidos racionais. Quem sabe desta forma, ela pararia de pensar em Zack e em como teria sido diferente o dia se ela não tivesse o deixado ir embora.
Se bêbada ela se comportou tão ousada sem se preocupar com o dia seguinte, imagina sob efeito de uma droga sintética?  Nos minutos que seguiram depois que ingeriu o comprimido, Lizzie ficara até ansiosa pra saber como seria tal experiência.