#AUTORA                       

Capitulo #3









Sentados na sala de espera do hospital, Marin explicava à Zack e Lizzie como Lucy havia sofrido o ataque. Ele não entendia e aceitava o acontecido, ainda mais da forma tão repentina e sem motivos. Lucy sempre cuidara muito de sua saúde e nunca fora detectada com nenhum outro problema a não ser a perda da visão. A menina estava apenas finalizando a oração com seu grupo no inicio daquela noite e então começara a passar mal com dores intensas no peito.
- É simplesmente inaceitável e estranho – retrucou Zack com a sobrancelha arqueada. Lizzie apenas ouvia silenciosa e inquieta. Concentrou-se por alguns segundos para sentir a presença de Tito e teve certeza que ele estava ali.
Depois de 2 horas, um doutor de meia idade apareceu na sala onde esperavam, convocando Martin, que rapidamente se levantou e foi conversar com o profissional. Lizzie e Zack ficaram olhando a distância, tentando ler os lábios do médico, que de certa forma, estava sério mas não parecia transtornado. Puderam ver então que Martin suspirava aliviado, mas continuava com uma expressão preocupada. Após a breve conversa, o médico sumiu no corredor e Martin retornou onde a dupla estava sentada.
- Ela sobreviveu, mas está em coma... Ele disse que ela está instável, que foi um milagre ela sobreviver... Que o coração e o cérebro dela ficaram inativos por 3 minutos! Ela praticamente morreu por 3 minutos, mas eles conseguiram reanimá-la... – explicou Martin deixando lágrimas escorrer por seu rosto. Zack ouvia boquiaberto e Lizzie assustada.
- Ela foi uma verdadeira guerreira Baby! Ela lutou até o final e vai conseguir sair do coma totalmente saudável, você vai ver! – exclamou Zack confiante. Martin sorriu de canto, concordando com a cabeça. Lizzie continuava observando em silêncio, com um sentimento de ira crescendo por dentro. Queria vingança, pois sabia que aquilo tinha sido causado por Tito. Podia sentir uma energia e uma gargalhada de satisfação vindo dele.
- Zack, vai com Lizzie para casa– ordenou Martin depois de um tempo.
- Eu queria ficar aqui – disse Lizzie mais para ser gentil, pois sua vontade era realmente ir pra outro lugar onde pudesse extravasar sua raiva e pensar em como ajudar Lucy.
- Eu também... Quero ficar aqui dando apoio poxa – concordou Zack, mas provavelmente, ele estava sendo sincero, diferente dela.
- Ficarmos aqui não vai ajudá-la! Lizzie deve estar cansada e com sono, e você também. Não queremos mais ninguém passando mal aqui. Vão dormir, se alimentem e de tarde vocês voltam, daí eu descanso um pouco. Vou ligar para o pedágio avisando sobre tudo isso e que iremos faltar hoje.  Amanhã convidarei o grupo de oração para fazermos uma corrente para Lucy. Tudo vai ficar bem! Tenho fé nisso – disse Martin se recompondo. Podia se ver esperanças em seu olhar.
Seguindo o conselho dele, Zack e Lizzie foram embora, deixando-o de plantão no hospital.
Pegaram o carro no estacionamento e voltaram pra casa rapidamente.  O céu ainda estava escuro, e o relógio anunciava que ainda eram uma e pouca da manhã.
É claro que quando chegaram em casa, os dois não tinham sono. O acontecido deixou todos em estado de choque e o pensamento preocupado sobre Lucy os perturbava.
- Isso é tão injusto. Lucy é a garota mais doce que conheço, tão cheia de fé... – suspirou Zack sentando no sofá – Nessas horas eu questiono a existência de Deus.  Se ele é tão justo e bom, porque deixa essas coisas acontecerem com gente boa?
Lizzie assentiu pensativa. Aquele pensamento de Zack não era novo pra ela. Aliás, ela havia feito a mesma pergunta muitas vezes nos anos que se passaram, principalmente, depois de todas as coisas horríveis que havia visto e passado.
Ela se sentou ao lado dele, apoiando a cabeça no braço do sofá, olhando fixamente para o chão.
- Você está como sono? – ele perguntou.
- Não sei como estou...
- É, me sinto confuso e perdido também.
- Só sei que não posso deixar isso ficar assim... Não posso deixar ele ganhar... – sussurrava Lizzie absorta.
- O quê? Quem ganhar? – Zack não entendia, e nem poderia. Lizzie pensava alto, falando consigo mesma.
- O coma – inventou uma resposta ao perceber que Zack  ouvira.
- Ah sim... Mas você não pode fazer nada Lizzie. Agora é esperar e torcer para Lucy acordar do coma!
- Não é tão simples assim. Sei que posso fazer algo, e farei – Lizzie falava com uma voz falha, baixa, Zack mal ouvira.
Ficaram em silencio por uns minutos para tempo depois Zack se levantar e pegar um copo d’água na cozinha. Quando voltou, ele parou de pé na frente de Lizzie.
- O que vai fazer amanhã, que dizer, hoje? – ele perguntou, encarando-a. Lizzie levantou a cabeça e o olhou.
- Ainda não tenho certeza. Porque?
- À noite, depois de voltarmos do hospital, eu estava pensando em te mostrar um lugar – respondeu misterioso.
- Que lugar?
- Você vai ver se for!
- Hm, bem... Você acha apropriado devido às atuais circunstâncias?
- Porque não seria? Não vamos cometer nenhum crime – Zack arqueou a sobrancelha.
- Ah, não sei... A Lucy..
- Nossas atitudes não vai mudar o quadro de Lucy, só sei que ela não ficaria contente em nos ver chorando ou infelizes por 'culpa' ela. Ela ia querer que ficássemos positivos, e acho que irmos nesse lugar vai nos deixar mais tranqüilos – interrompeu. A luminária de mesa fazia seus olhos verdes reluzir.
- Sendo assim... Tudo bem – Lizzie concordou com um sorriso de canto.
- Ok então – retribuiu o sorriso.
Após o breve e estranho convite de Zack, ele subiu e se fechou no quarto. Enquanto isso, Lizzie permanecia na sala, mas dessa vez deitada no sofá com a televisão ligada. Olhava para ela mas não assistia o filme que passava. Continuava irritada e triste, pensando na possível solução que havia encontrado. Estava decidida à curar Lucy, mas sabia que não seria fácil. A garota estava não estava em um bom quadro, e a possibilidade de morte ainda não havia sido deixada de lado. Lizzie não tinha certeza se conseguiria salva-la, e sabia que ainda era arriscado; Errar no processo podia ser fatal para Lucy, e ela podia piorar tudo em vez de ajudar. Mas era um risco que estava disposta a correr! Já tinha decidido que ia fazer, só faltava pensar como.
Foi elaborando seu plano que Lizzie acabou caindo no sono, dormindo no sofá da sala.

Lizzie acordou de repente. Pensou ter ouvido um barulho no andar de cima. Não reconhecia o som, mas tinha certeza que ouvira alguma coisa.
Levantou do sofá e subiu as escadas devagar, com cuidado pra que seus passos não causassem nenhum ruído na madeira velha. Chegou ao segundo andar olhando para todos os lados com atenção, e percebia que o barulho continuava longe, mas conseguia identificar melhor como ele era. Parecia um gemido, e vinha do quarto de Zack.
Receosa se seguia em frente ou não, Lizzie parou. Não tinha idéia do que estaria acontecendo dentro do quarto dele, mas o gemido do rapaz lhe causava curiosidade. Ele passava bem? O que ele fazia? Estaria fazendo aquele barulho dormindo?
Pesando os prós e os contras caso continuasse andando e fosse verificar o quarto, Lizzie escolheu seguir em frente. Continuou andando com cuidado e chegando perto da porta, aproveitou a brecha para olhar o interior do quarto. Zack estava sentado na beira da cama de costas para a porta, impossibilitando-a de ver o que ele fazia exatamente. O garoto estava nu, curvado, com a cabeça baixa e um dos braços balançava freneticamente. Agora ela conseguia ouvir o gemido dele nitidamente.
Lizzie arregalou os olhos e abafou uma risada envergonhada. Sentia-se constrangida em espiá-lo fazendo aquilo. Ela não era uma menina pervertida, longe disso, mas por algum motivo, continuava vendo-o se masturbar.
Ficar espiando é uma coisa muito feia e mal educada, Lizzie! – exclamou Zack num tom sarcástico para a surpresa da garota que levou um susto, ficando ainda mais embaraçada.
O garoto se quer olhara para trás ou parara de executar seus movimentos.
Desculpe-me... – sua voz saiu baixa, trémula.
Não se desculpe! – Zack virou a cabeça, encarando-a. Mesmo o quarto escuro não escondia o rosto dele suado e suas retinas dilatadas. Ergueu a mão livre para Lizzie, sorrindo convidativo – Vem aqui, vem Lizzie. Me ajude a terminar!
Lizzie, involuntariamente, entrou no quarto, andando na direção de Zack. Ficou de pé na frente dele, e pode ver aquilo na outra mão dele. Ainda não entendia porque aceitou entrar no quarto, só sabia que dentro dela, ela teve vontade e entrou.
Não tenha medo Lizzie, eu não vou te machucar como aquele caminhoneiro queria fazer – disse sorrindo. Ele se levantou e pegou na mão de Lizzie.
Ela sentiu que ele ao falar aquilo parecia saber bem mais do que ela havia contado, mas não ligou. Ela estava completamente hipnotizada, mantendo-se focada apenas na imagem de Zack ali sentado, ereto, exilando luxúria no suor que descia pelo seu abdômen definido.
O garoto então passou a mão por debaixo do vestido que ela usava, alisando e apertando suas coxas e nádegas ao mesmo tempo em que beijava seu pescoço fazendo sua respiração quente e ofegante pesar em seu ouvido. Lizzie deixou um gemido escapar, revirando os olhos.
A mão de Zack deslizou até sua calçinha, e pode perceber que a menina já estava excitada. Sorriu satisfeito e sussurrou: Entregue-se pra mim Lizzie! Eu sei que é o que você quer!
Inconscientemente, Lizzie balançou a cabeça afirmativamente. Zack então a deitou na cama, ficando por cima. Levantou um pouco o vestido e puxou a calçinha dela. Inclinou seu corpo, e beijou-a. Seus lábios ferviam, mas eram úmidos. Sua língua procurava a dela, e mesmo Lizzie nunca tendo beijado alguém, conseguia retribuir o gesto com vontade. Com os corpos colados, ela conseguia sentir o membro de Zack latejar em sua virilha e antes de ele penetrá-la, ela pediu: Devagar, por favor... Eu sou virgem!
Ele sorriu malicioso e assentiu antes de, finalmente, introduzir levemente seu membro na vagina já lubrificada naturalmente da garota. Lizzie sentiu um forte incômodo em seu baixo ventre, como se algo queimasse dentro de seu corpo. Conforme Zack continuava penetrando-a, a dor diminuía, transformando-se numa intensa sensação de prazer misturada à adrenalina.  O ritmo dos movimentos ganhava rapidez e força, fazendo a garota gemer incessantemente, mas essa força parecia aumentar cada vez mais e mais, e o prazer voltava a virar dor. “Está machucando Zack!” – exclamou, mas o rapaz manteve a intensidade.
A umidade na região sexual da garota não era resultado somente do líquido lubrificante, mas também de sangue. Por ser virgem, era de se esperar que sangrasse, mas não tanto. Lizzie abriu os olhos saindo de seu ecstasy, e se arrepiou de susto ao ver que não era mais Zack em cima de seu corpo, mas o caminheiro que havia matado. Seus dentes amarelados rangiam. O cheiro doce de Zack sumira, dando espaço á um odor de podridão; O corpo jovem e malhado do rapaz havia virado gordo e peludo. Lizzie se debatia e gritava desesperada, mas o homem segurava seus braços e fazia pressão sob seu corpo, continuando a penetrá-la com intensidade, estacando ainda mais sangue de seu interior. “Eu vou arrancar seu útero fora, sua desgraçada” – ele gritou. Lizzie gritava aos prantos, não contendo mais a dor que invadia sua vagina e seu útero. Podia quase sentir sua entranhas saindo pela sua abertura. O homem dava gargalhadas diabólicas que ecoavam no quarto. Lizzie fechou os olhos, tentando acreditar que era apenas um sonho forçando-se a acordar, mas quando voltou a abri-los, não via mais o caminhoneiro e sim a figura de Tito. Sua imagem embaçada era como uma fumaça negra e densa, e na parte do baixo ventre, sólida, que continuava a invadir o corpo de Lizzie com grande força.  “Por favor, PARE!” – suplicou, voltando a fechar os olhos.
Desta vez quando reabriu, Lizzie se viu na sala. A televisão continuava a exibir um filme. A garota estava suada dos pés a cabeça. Ela olhou para os lados certificando se estava realmente sozinha e bem. Nenhum sinal de Zack ou do caminhoneiro. Era apenas ela deitada no sofá e Tito de pé num canto da sala, encarando-a como sempre. Lizzie esfregou os olhos, sentando-se. Pesadelos deste tipo eram comum, mas só até a morte de Fabrizzia. A um bom tempo que ela conseguia dormir tranquilamente, mas já era seu segundo pesadelo em seu segundo dia naquela casa. 
Levantou-se para pegar um copo d’agua na cozinha, mas alguma coisa melecada em suas coxas a incomodava. Puxou o vestido e viu então o que era: sangue.


Na manhã daquele dia, Lizzie mal conseguia encarar Zack na hora do café. Quando acordou, o rapaz já havia preparado ovos com bacon para os dois. Lizzie pegou o seu prato intimidada, agradecendo forçada. No entanto, não se sentou à mesa. Ficou na sala, fingindo assistir televisão enquanto comia. Na verdade, pensava no pesadelo daquela noite.
A questão maior do seu ‘transtorno’ não era a parte do sexo macabro e ensangüentado, mas sim, o começo com Zack. Lizzie sentia-se desconfortável em ter sonhado com o rapaz se masturbando, e depois, tirando sua virgindade. Isso lhe era estranho pelo fato de Lizzie nunca ter sido uma menina pervertida, nem mesmo tinha vistos filmes pornográficos. Sexo era uma idéia que passava longe da sua cabeça, e ela só não era completamente ingênua, pois, todos os acontecimentos bizarros de sua vida, indiretamente lhe fizeram perder a inocência para sobreviver psicologicamente.
Era inegável, que a principio, enquanto era Zack aparecendo no sonho, Lizzie havia ficado excitada. E isso era o que mais constrangia a menina.
Enquanto engolia o café da manhã, Lizzie espiava-o pela visão periférica. Ela nunca tivera qualquer pensamento malicioso em relação ao rapaz, mesmo achando-o bonito e atraente mas porque então ele foi envolvido daquela maneira no sonho?
O clima esquisito permaneceu até quando foram ao hospital substituir Martin.
Lizzie ficou quieta quase a tarde inteira, pensativa. O maldito pesadelo não lhe saia da cabeça, e era chato ver as tentativas falhas de Zack em puxar assunto.
De qualquer forma, ela não queria se distrair muito, pois precisava analisar bem o ambiente em que Lucy estava internada para poder, depois, executar o plano que arquitetava. Notou que apenas uma enfermeira estava responsável por Lucy, que ficava em um quarto totalmente aparelhado ao fim do corredor que eles dois ficaram sentados; Ao fim do corredor, tinha um balcão com uma atendente. Lizzie também anotou mentalmente que a enfermeira conferia Lucy a casa 2 horas, e a atendente se dispersava a cada 20 minutos para fazer tarefas em outros setores do hospital. Por sorte, só mais um quarto estava ocupado naquele corredor, e pelo o que Lizzie soube pela enfermeira, a pessoa daquele quarto também estava em coma e não recebia visitas a um mês.
No fim da tarde, por volta das 5, Martin retornou ao hospital com uma aparência menos cansada e suja. Avisou que passaria a noite ali novamente, mas que iria trabalhar no outro dia, portanto pediu para Lizzie passar a manhã com Lucy, enquanto Zack teria de trabalhar também. Ambos assentiram e foram ‘dispensados’.
- O passeio ainda está de pé, certo? – perguntou Zack na saída.
Desconcertada, Lizzie apenas balançou a cabeça afirmativamente, mas na verdade, havia esquecido. Zack, que já havia notado o jeito indiferente da garota durante o dia, parou de andar e arqueou a sobrancelha encarando-a.
- Está tudo bem? Eu te fiz algo? Sinto que você está estranha...
- Não... Está tudo bem... Não tem nada a ver com você. Só estava pensando nessa situação da Lucy – mentiu.
- Hm, ta ok então. Eu vou resolver uma coisa agora, mas te encontro na casa do Baby daqui 1 hora e meia!
- Está bem.

Zack se despediu e andou até sumir ao fim da Hamilton Ave. Lizzie, que já sabia como andar ali pelo centro, chegou rapidamente em casa. Era engraçado como haviam depositado tanto confiança nela. Martin havia deixado uma chave com a garota, e não se importava nem um pouco em deixar sua casa sozinha com uma completa estranha que conhecera à 3 dias. Ainda assim, Lizzie sentia como se vivesse ali a anos e compreendia perfeitamente o sentido de ‘quantidade não é qualidade’.
Em uma hora e meia, Lizzie tomou um longo banho e se arrumou. Levou muito tempo pra decidir o que usaria. Não tinha muitas opções próprias na mochila que levara consigo pra Trenton, mas Lucy havia disponibilizado gentilmente suas roupas para o uso da garota. Como não sabia para onde Zack à levaria, foi ainda mais difícil decidir.
No fim, optou por uma produção confortável: uma calça jeans, uma regata preta, um cardigan branco com renda e botas de cano médio. Não era bem a forma que costumava se vestir, já que normalmente, usava vestidos ou jardineiras, mas precisou adaptar o estilo básico e feminino de Lucy em seu corpo.
O cabelo liso secou rapidamente, e o máximo de maquiagem que Lizzie passou foi uma base para disfarçar as olheiras e tirar a palidez do rosto. Finalizou a produção com uma presilha de cristaizinhos em formato de laço no lado direito da cabeça.
As 7 horas estava pronta esperando Zack na rede da varanda.

Talvez o clima agradável e o céu parcialmente estrelado tivessem colaborado em distrair Lizzie, que só foi perceber o atraso de Zack quando se passaram 40 minutos. Depois de muito tempo ali sentada sozinha, o tédio começou a bater e a garota passou a consultar o relógio de pulso à cada 2 minutos. Ela preferia acreditar que tivesse acontecido um imprevisto, algo sério, mas não podia deixar de temer que Zack tivesse simplesmente esquecido o próprio convite. Afinal... Porque ele se interessaria em passar tempo livre com ela por livre e espontânea vontade? Era o que ela se questionava, pois se achava extremamente desinteressante e sem graça... Sem falar em feia.
A baixa auto-estima de Lizzie era facilmente compreendida: jamais tivera conselhos maternos, dias de beleza, passeios no shopping ou melhores amigas que pudessem compensar a ausência de uma figura feminina que a auxiliasse com esses assuntos de garota. Lizzie também nunca foi das mais informadas, nem intelectual, nem muito inteligente... Seu comportamento retraído na escola e a forma como vivia fora dela não a ajudava a se concentrar nas aulas. Sempre passou com notas baixas. No que se tratava de aparência, Lizzie dera sorte! Sua mãe, por baixo daquela imagem maltratada e insana, era uma bela mulher, cuja beleza poderia ter rendido um grande partido, e a única coisa que ela fez e Lizzie agradecia era lhe ter proporcionado seus genes e cooperado para formar um rosto angelical com pele delicada, cabelos negros que nem precisavam pentear de tão lisos e grandes olhos acinzentados; O corpo, embora não fosse torneado ou cheio de curvas, era proporcional e não havia muito que reclamar. Com a roupa certa e um pouquinho de produção, Lizzie seria ainda mais bela e atraente, mas não teve com quem aprender tais truques. Ainda assim, naquela noite, com as roupas de Lucy, Lizzie se sentia bonita e feminina e tinha vontade de transparecer isso para outras pessoas, mas já não tinha tantas esperanças de que isso fosse acontecer.  No exato momento em que se levantou pra entrar pra casa e tirar tudo em troca de uma camisola, o Hyundai Stellar preto que Zack usava se aproximou da calçada, e para a surpresa de Lizzie, Summer vinha dentro dele no banco do carona. Franziu o cenho.
Zack desligou o carro e saiu sem se importar em abrir a porta pra loira, que desceu do veículo como se deslizasse, exibindo um vestido azul de alça que valorizava ainda mais seu bronzeado provavelmente artificial e seu cabelo dourado. A garota estampava um sorriso satisfeito de orelha a orelha, encarando Lizzie desde o momento que entrara na varanda, enquanto Zack, sério, caminhava com a cabeça abaixada e as mãos enfiadas no bolso da jaqueta. Lizzie ficou de pé próxima a porta, abraçava-se contra o vento gélido e tentava manter uma expressão indiferente.

- Desculpe a demora Lizzie... – surrurrou Zack mordendo o lábio.
- Pois é, eu não queria tê-lo atrasado... Tanto – Summer falou antes de Lizzie conseguir dizer claramente um falso “Tudo Bem”.  O tom da loira insinuava alguma coisa, assim como seu olhar provocante.
- É q-que a Summer apareceu l-lá em casa de surpresa e e – gaguejou e Summer novamente se antecipou:
- E aí você sabe, a gente nem percebe a hora passar – ela deu uma risada acreditando seriamente que Lizzie entendera perfeitamente, o que não aconteceu. A menina continuou olhando os dois à sua frente com o cenho franzido e os braços cruzados, mas ainda assim, não entendia realmente o que Summer tentava fazê-la imaginar.
- Então, no caso, você vai conosco? – perguntou, inocente, por fim mesmo sem saber o que devia falar. Era uma situação bastante embaraçosa, que ficava ainda pior com Zack imóvel com aquela cara de abobalhado enquanto Summer aumentava o sorriso malicioso.
- Eu vou? Pra onde? Ah, sim, Zack falou que iria te apresentar algum lugar aqui em Trenton... Muito doce da parte dele, né? – indagou irônica. Zack revirou os olhos, irritado.

- Na verdade, Lizzie, infelizmente nós vamos ter que adiar o programa...  Aconteceu um... Imprevisto – disse evitando-o olhá-la diretamente. Lizzie suspirou desanimada, mas nada surpresa.
- Veio aqui então pra quê? – perguntou impaciente.
- Ué, pra te av...
- É que a gente vai comprar umas coisinhas pra festa da universidade e sugeri que ele aproveitasse que era aqui perto pra vir te avisar. É simplesmente horrível esperar, ainda mais atoa. Não acha? – interrompeu.
Lizzie contraiu os lábios para não se morder de raiva com a cara de Summer. Tentou se controlar pra não gerar ainda mais sentimentos negativos, pois sabia que era perigoso. O mais difícil de tudo era não pensar em qualquer tipo de agressão que ela poderia desejar aplicar na loira, e principalmente, em Zack. Pior do que Summer falando era ele permanecendo quieto, deixando claro que assentia com o que a garota dizia. Se qualquer coisa fosse mentira, ele teria desmentido, não? Em vez disso, ele continuava com aquela cara sem expressão e as mãos dentro do bolso.
- Vamos Zack? O pessoal está esperando!
- Eu só preciso ir ao banheiro, é rápido – exclamou apressado antes de invadir a cara. Summer arqueou a sobrancelha nada alegre, e depois caiu os olhos para Lizzie, dessa vez sem sorrisinhos.
- Sabe... Eu acho que tem muita coisa sobre o Zack que você não sabe! – cochichou, se aproximando de Lizzie.
- E porque eu deveria? Só conheço ele à 3 dias...
- E isso é mais que o suficiente para nós mulheres nos apaixonarmos por alguém como ele!
- ‘Nós’ somos mulheres muito diferentes, e isso é mais do que claro pra qualquer um, concorda? – Lizzie e Summer se encaravam numa distancia inferior a 20 centímetros.
- Você realmente quer se enganar, né? Acha que não é vulnerável com alguém como o Zack?
- Quantos homens você viu na vida pra achar que o Zack é tudo isso?
- Eu já vi e provei muitos, e essa é a questão... Nenhum é ou foi como o Zack, e ele nem precisa se esforçar! A questão, querida, é que você querendo algo a mais ou não com ele, eu procuraria saber mais com quem você ta se envolvendo!
- Eu não estou me envolvendo com ninguém. Eu só vejo e falo com o Zack porque ele trabalha com o Martin, é algo que não posso evitar.
- Bom, fica a minha primeira dica – disse misteriosa. Bem depois de se afastar, Zack voltava à varanda.
- Podemos ir agora? – Summer perguntou voltando com o largo sorriso no rosto.
- S-sim... Até mais Lizzie. Sinto muito.
- Ok, adeus.
Zack e Summer desceram as escadas da varanda e entraram no carro. Lizzie ainda pode ver a loira a encarando seriamente através do vidro, enquanto Zack ligava o carro com pressa. 
Toda aquela situação tinha sido estranha demais e a menina ainda tentava assimilar tudo o que Summer dissera. Viu o carro dele sumir na esquina antes de entrar em casa e se deparar com um turbilhão de pensamentos e questionamentos.
Ela estava realmente irritada com aquela situação, com a mancada de Zack. A exibição de Summer ao seu lado com a desculpa que teriam vindo avisá-la sobre a mudança de planos só piorou as coisas; A loira ainda empurrou toda aquela conversa esquisita sobre Zack. O ela queria afinal? Achava mesmo que Lizzie era uma ameaça ou algo do tipo? Aliás, quem era aquela garota e o que ela era de Zack? Pior que tudo isso era: Porque Lizzie estava se importando?

A casa estava escura, em silêncio... O rangido da madeira nas escadas soava mais alto que o comum quando Lizzie subiu para o terceiro andar. Estava com sono, irritada, e queria dormir cedo.
Abriu a porta e se deparou em um ambiente totalmente diferente do habitual quarto.  As paredes eram brancas, assim como o chão e o teto. A janela única que dava visão para a rua não existia, e em vez de um cômodo pequeno com alguns móveis de madeira, havia um grande salão iluminado por uma intensa luz branca, e no fim do quarto a garota viu a si mesma nua de pé, inclinada sobre alguma coisa deitada numa maca. O chão abaixo da maca estava encharcado do sangue que escorria daquilo que a outra Lizzie futucava. Ela se aproximou para tentar examinar melhor o que estava acontecendo e chegando ao seu lado, pode ver que em cima da maca estava o que tinha restado do corpo de Summer: A outra Lizzie havia simplesmente retirado toda sua pele, deixando o corpo de Summer como se fosse um animal abatido, pronto para vender sua carne. A Lizzie sorria, macabra, assistindo os músculos expostos da garota loira morta. Ergueu sua pele, que parecia uma fantasia fedorenta e gosmenta, e contemplou-a por alguns segundos antes de colocar por cima de seu próprio corpo, tentando vesti-lo como se veste uma roupa. Era algo simplesmente impossível de ser feito, mas ela havia realizado. Tinha retirado toda a superfície do corpo de Summer e havia o vestido como um macacão com capuz. Dava gargalhadas, satisfeita, e só depois virou o rosto para olhar a Lizzie perplexa ao seu lado, olhando tudo incrédula.
“Agora estamos perfeita, vê?!” – exclamou com a voz abafada por baixo da pele de Summer.
Lizzie acordou com náuseas. Incrivelmente, já era de manhã e estava deitada na cama do quarto do terceiro andar. Demorou a se lembrar que havia subido pra lá na noite passada após a visita de Zack e Summer.  Só teve tempo de tirar a roupa de Lucy e escovar os dentes antes de cair na cama e dormir rapidamente.
Preparou uma vitamina de banana e tomou banho. Reutilizou a roupa que havia escolhido na noite anterior e foi andando até o hospital. Iria passar a manhã com Lucy como havia combinado com Martin. Teve sorte de acordar cedo sozinha, pois tinha se esquecido de preparar o despertador por precaução.
Ao chegar, se deparou com Martin cochilando na poltrona ao lado da cama que Lucy dormia. Acordou-o sem jeito.
- Bom dia! – falou baixo com uma voz gentil e um pequeno sorriso. Martin despertou com um susto.
- Ah, bom dia Lizzie! Que bom que chegou. Tenho que ir pro trabalho... Mas não se preocupe, voltarei mais cedo hoje! – avisou – Fique com ela só um pouco, não precisa passar o dia inteiro!
- Sem problemas - Lizzie sentou-se na poltrona quando Martin se levantou – Martin! Você conhece o Zack a muito tempo? – perguntou antes que ele deixasse o quarto.
- Não muito, na verdade. Ele começou a trabalhar comigo no inicio do ano.
- Mas você tem contato com a família dele ou algo do tipo?
- Bem, eu conheci a mãe dele uma vez, mas porque essas perguntas querida? – arqueou a sobrancelha.
- Por nada... É que vocês parecem ter uma grande conexão ou que se conhecem a muito tempo, sei lá – mentiu. Lizzie queria arrancar alguma informação sobre Zack através de Martin, pois ainda não tinha se esquecido das insinuações de Summer.
- Zack sempre foi um bom rapaz e faz um excelente serviço. No começo era bastante desengonçado e ainda é um pouco misterioso, mas acredito que seja um menino decente.
- Entendo... – suspirou desanimada.
- Estou indo agora Lizzie, se cuida. Até mais tarde! – exclamou antes de fechar a porta deixando-a sozinha com Lucy.
Logo em seguida, a enfermeira entrou no quarto. Sorriu para Lizzie e se aproximou de Lucy pelo outro lado da cama. Verificou os aparelhos e fez algumas anotações na prancheta. Virou-se pra Lizzie e avisou que ela não poderia ficar dentro do quarto já que não era parente, e só poderia ficar ali em dias de visitação. Teve de consentir contra sua vontade e precisou ficar do lado de fora. Só poderia permanecer sentada no banco do lado de fora do quarto, na capela ou na cantina do hospital. A enfermeira avisou que retornaria ao quarto de Lucy em meia hora.
Lizzie já esperava um pouco de dificuldade, mas ainda assim, não era algo tão complicado. Tinha 30 minutos para tentar fazer o que pretendia.
Foi até o fim do corredor e espiou. Não tinha quase nenhum movimento naquele andar, especialmente no corredor do quarto de Lucy. Abriu a porta cuidadosamente e se aproximou da cama, ficando de pé ao lado do mesmo. Observou triste a imagem de Lucy ali adormecida e imóvel. Apenas o barulho repetitivo do aparelho que reproduzia os batimentos cardíacos de Lucy dava algum sinal de vida dentro do recinto.
Virou a cabeça e pode notar que Tito estava bem ao ali, estacionado próximo as duas, como sempre, observando. Lizzie sentia que sua energia estava inquieta, sabia que ele não estava de acordo com o que ela pretendia fazer já que ele havia causado aquela situação.
- Você não vai ganhar dessa vez... Eu não vou deixar – sussurrou para Tito. Tinha medo que ele interferisse, e sabia que isso era perfeitamente possível, mas no fundo, ela sentia que nada a atrapalharia. Iria se arriscar pra tentar salva-la. Fechou os olhos com força e fez o mesmo com os punhos. Canalizou toda a positividade que conseguia encontrar em si mesma. Tentou afastar todos os pensamentos negativos, todas as lembranças ruins e todos os sentimentos amargurados que possuía. Tentava controlar sua respiração ofegante e sua pulsação. Precisava ficar calma, em paz. Minutos depois nesse estado, finalmente sentiu-se flutuar... Seu corpo era leve e sua mente estava totalmente limpa. Soltou os punhos e levou as mãos sobre o peito de Lucy. Ainda com os olhos fechados, Lizzie tentou transmitir a sensação que transbordava em seu espírito para o corpo de Lucy. Era uma sensação eufórica e ao mesmo tempo plena. Ela criava uma ligação que ia além da física, que levava a energia criada em sua mente numa velocidade que passava a luz ou qualquer coisa do tipo. Lizzie conectava-se ao corpo de Lucy, e conseguia até compartilhar as dores internas da outra garota. Sentiu seu coração doente e todo o seu organismo instável.
Quando começou a repará-los, a energia de Lizzie simplesmente foi invadida por uma sensação que vinha de outra fonte, totalmente contrária ao que ela transmitia através de suas mãos. Não era algo positivo, bom ou prazeroso. Lizzie não conseguia abrir os olhos e nem afastar suas mãos. Seu corpo tornou-se pesado e sua mente foi invadida por todos os sentimentos negativos que minutos atrás expulsara. Brigava mentalmente para afastá-los novamente, e sentiu que sua conexão com o organismo de Lucy ficava turbulenta, causando-lhe tontura e cansaço. Conforme seus reflexos corporais voltavam, Lizzie começou a ouvir que um dos aparelhos de Lucy apitava freneticamente, avisando que os batimentos da paciente haviam se intensificado.  O medo de causar uma fatalidade só aumentava a força da energia negativa que lhe invadia involuntariamente, e o desespero por não conseguir soltar suas mãos do corpo de Lucy, idem.  Histérica, Lizzie finalmente abriu os olhos, deixando também cair algumas lágrimas, e gritou. Exatamente neste momento, Lizzie puxou suas mãos, que enfim se afastaram do peito avermelhado de Lucy; Um impacto invisível empurrou Lizzie para trás, fazendo-a quase cair.
- O que você está fazendo aqui?! – perguntou a enfermeira num tom bravo quando entrou apressada no quarto.
 Lizzie ainda gaguejou ao tentar dizer alguma coisa, mas recuou. Saindo trêmula do quarto, quase esbarrou no médico que entrou correndo no quarto junto de outra enfermeira. Assustada, a menina correu para o lado de fora do hospital e só foi parar quando chegou à rua. Levou as mãos à boca, olhos arregalados. Parecia que ainda conseguia escutar o coração de Lucy bater desenfreado, quase explodindo. “Eu a matei... Eu matei a Lucy” – repetia mentalmente pra si mesma certa de que havia falhado no processo de cura. A principio, não conseguia entender o que tinha dado errado. Tudo bem que ela sabia do risco: Era um quadro grave, ela jamais praticara o necessário pra chegar ao resultado esperado e se fizesse da forma errada como tinha acontecido, era fatal. Mas estava tudo correndo bem, ela quase sentiu Lucy despertar... Por um momento Lizzie teve certeza que tocara a alma de Lucy e havia a trago de volta, mas num milésimo de segundo, alguma coisa atrapalhou completamente sua conexão, invadindo sua mente com um soco de negatividade.
Girou nos pés para olhar o hospital, mais exatamente pra uma das janelas do quarto andar onde estava o quarto de Lucy. Rangeu os dentes quando viu a imagem negra e destorcida de Tito parado em frente de uma delas, e teve certeza do que tinha a atrapalhado.

A idéia de que havia matado Lucy dominara Lizzie completamente. “Não posso voltar à casa de Martin. Não posso olhar pra cara dele sem pensar que matei sua filha” – pensava. E foi exatamente esse tipo de pensamento que fez com que Lizzie tomasse uma atitude mais radical; Correu até a casa de Martin, tirou as roupas que usava de Lucy e colocou o vestido preto que levava na mochila, que jogou nas costas antes de trancar a porta da casa, guardando a chave consigo. Não sabia bem porque simplesmente não passou a chave por debaixo da porta. Talvez tivesse agido por instinto caso precisasse voltar, poderia fazer isso numa hora que ninguém estivesse em casa, e infelizmente, aquele era o único lugar que ela conhecia de verdade e tinha acesso.
Em uma das mãos, Lizzie segurava o papel com a relação dos Raul’s que havia tomado conhecimento no dia que fez a busca com Zack. Mais do que nunca ela precisava encontrar aquela pessoa, e por um momento antes do acontecimento daquela manhã, Lizzie tinha esquecido o motivo que a levara em Trenton. Agora, isso não poderia acontecer mais! Ela tinha que encontrar o homem que Fabrizzia disse que a ajudaria, para então ela sumir definitivamente daquela cidade antes que mais problemas acontecessem. Nem se quer parou pra pensar em como seria estranhou ou suspeito o desaparecimento dela em atual situação, e de certa forma, no fundo, Lizzie imaginava que nem sentiriam sua falta. O que ela era naquela família? Uma simples estranha. “Nem notarão minha ausência!” – acreditava.
Consultou o relógio de pulso; Ainda eram 10 horas da manhã. Imaginou o hospital ligando naquele momento para Martin avisando o falecimento de sua filha. Lizzie ainda tremia, seu coração pulsava forte e sua respiração estava apressada. As cenas do que acontecera no quarto do hospital não saiam de sua cabeça. 
Avaliou a lista no papel, e decidiu não seguir nenhuma ordem, iria apenas bater na porta da primeira casa que que visse na Hamilton Ave que constava na relação. Infelizmente, a Hamilton Ave era uma avenida enorme, e cruzá-la de ponta a ponta, poderia levar mais quase 3 horas caminhando, e isso se ela fizesse o trajeto sem interrupções, mas Lizzie tinha conseguido cerca de 9 números de casas de possíveis moradores chamados Raul. Seria um dia longo, e nem queria imaginar o que faria quando sentisse fome ou sede agora que não pretendia retornar à casa de Martin.
Evitou virar para o lado direito da Hamilton Ave que começava com o hospital. Infelizmente, o lado esquerdo da avenida era justamente o centro comercial mais próximo da entrada de Trenton. Havia muitos restaurantes, lojas de conveniência, farmácia, tabacaria e até estúdio de tatuagem. Ela precisou caminhar um bocado até chegar à primeira casa anotada naquela área. Atravessou a Anderson St.  e visualizou a casa n° 479 logo após um banco chamado “Roma Bank”. De acordo com a informação que recebera, naquela casa morava um Raul que era um ex professor universitário.
Lizzie entrou no pequeno quintal de frente, subiu as escadas que davam à varanda e apertou a campainha. Era uma bela casa vitoriana branca de três andares com o telhado e arremates em cor cinza. Muitas janelas e um jardim bem cuidado completavam a produção da propriedade. Aliás, a maioria das residências em Trenton seguia aquele mesmo padrão de construção, como um grande condomínio vitoriano.
Ainda não tinha pensado o que e como iria falar, mas no fim das contas, decidiu que ia ser curta e direta sem parecer insana. Não ia querer que chamassem psiquiatras para internarem uma garota louca que diz ver espíritos e ter habilidades sobrenaturais.
Ela precisou apertar a campainha mais umas três vezes antes de alguém atendê-la, quando finalmente, um senhor de meia idade abriu a porta. Ele usava óculos de armação quadrada e um conjunto de moletom marrom; Ele tinha grandes olheiras que deixavam os olhos azuis passarem despercebidos e cabelos grisalhos bem armados num tipo de topete que confessava o possível uso abusivo de gel.  
- Posso ajudá-la? – perguntou gentilmente, avaliando Lizzie parada à sua porta.
- Você é o Raul?
- Sim... E você seria? – arqueou a sobrancelha.
- Eu estou procurando uma pessoa... Um Raul que vive aqui em Trenton, mas eu não o conheço exatamente. Espero que esse Raul possa me ajudar com uma coisa – respondeu mordendo os lábios.
- E o que esse Raul faz pra que você espere que ele te ajude? Eu sou apenas um ex professor... Se o que você precisa são aulas particulares, infelizmente, não posso mais ajudá-la – o homem tinha uma feição dócil que contrastava com um olhar analista.
- Não, não são aulas particulares. Além de professor, o senhor já exerceu alguma outra atividade ou profissão na vida? – perguntou receosa, percebendo que o homem franzia o cenho já estranhando a conversa. Ser interrogado por uma menina esquisita que bate à sua porta sem mais nem menos não é algo que mereça muita confiança, ainda mais para uma pessoa já ‘vivida’, mas Lizzie precisava arriscar.
- O que você procura exatamente, moçinha?
- Er... Procuro um Raul, como posso dizer... Médium, sensitivo... Alguma coisa desse tipo – respondeu sem jeito. O homem arregalou os olhos, mas depois deu uma risada.  
- Ah, sinto muito... Então eu não posso ajudá-la. Este não sou eu.
Lizzie suspirou desanimada, mas não esperava encontrar o maldito homem logo de primeira.
- Seria possível o senhor ter conhecido algum? – perguntou num tom brincalhão, mas esperançoso.
- Não, não... O máximo que eu conheci foi uma tia espírita, mas ela não mora aqui.
- Tudo bem então, muito obrigada e desculpe-me o incômodo.
- Boa sorte em sua busca! – exclamou antes de fechar a porta. Lizzie desceu as escadinhas e saiu da propriedade, excluindo a casa 479 de sua lista.
Contando com aquele senhor, outros 3 Raul’s foram descartados e o último que morava daquele lado da Hamilton Ave não estava em casa. Foram mais de 2 horas de caminhada, apertos em campainha, respostas negativas e decepção. Lizzie estava faminta, cansada e morrendo de sede, sem falar em suada. Mesmo o céu nublado e as pequenas ventanias não pouparam a garota de sentir calor.
Lizzie realmente esperava que o real Raul soubesse de cara de sua situação e confessasse que era ele quem ela procurava, por isso, a hipótese deque algum daqueles homens que procurou ter mentido nem passou pela sua cabeça. Aliás, todos pareciam bem normais ou formais e não tinham a aparência que ela esperava de uma pessoa que pudesse compreender a existência de um universo sobrenatural. O mais estranho dos quatro Raul’s que havia conhecido foi um homem de aparentes 30 anos que surgiu na porta usando salto alto e batom vermelho, mas certamente ele não era nenhum paranormal sensitivo. Claro, fazendo um julgamento superficial levando como idéia base que alguém do tipo fosse mais misterioso, cauteloso e com cara de homem sábio, pois era exatamente desta forma que Lizzie esperava que ele fosse.
No caminho de volta, o que lhe rendeu mais meia hora de caminhada, Lizzie já sentia os pés criarem calos. Pior que a dor dos calos, foi o cheiro de comida que invadiu suas narinas quando a garota passou em frente a  pizzaria Mannino’s , um estabelecimento humilde e aconchegante que ficava bem próximo à esquina da Hamilton Ave com a Chambers Street, rua em que Martin morava. O aroma de pizza recém saída do forno causou involuntária inquietação no estômago de Lizzie, que se lamentou não ter nenhum dinheiro na mochila.  Por um momento cogitou usar outra de suas habilidades, mas depois do incidente com Lucy, ela não tinha mais qualquer segurança e não queria mais ferir ninguém. Lizzie não sabia exatamente quais efeitos colaterais graves a manipulação de mente poderia deixar na pessoa, mas não tinha curiosidade pra descobrir.
O minuto de transe com o cheiro de pizza foi quebrado, enfim, quando uma voz chamando pelo seu nome quebrou o silencio em sua mente. Virou-se e viu Zack dentro de sua Hyundai. O coração de Lizzie acelerou no mesmo instante, e seu corpo ficou estático. Não esboçou qualquer sorriso ou cumprimento para Zack, que por sua vez, estava com uma expressão extremamente alegre.

- Aonde você estava Lizzie? Te procurei igual doido! Vamos, entra logo! Lucy acordou! Vem! – exclamou eufórico fazendo sinal para que a garota entrasse no carro. As palavras do rapaz não foram totalmente digeridas pela garota na hora. “Como assim Lucy acordou?” - pensou, sentindo um misto de conforto e desconfiança.  Mas não teve muito tempo para pensar, pois Zack inquieto continuou berrando para que ela entrasse logo no veículo. Em 1 minuto chegaram ao hospital a poucos metros à frente, e como sempre, Zack estacionou o carro como se pilotasse um carro de corrida. Saíram apressados do carro e entraram no hospital correndo, o que causou um esporro da recepcionista.
Subiram até o andar que Lucy estava internada e encontraram Martin sentado no assento ao lado da porta. As mãos entrelaçadas apoiadas ao rosto indicavam que o homem orava. Percebendo a presença dos jovens ali, Martin interrompeu o que fazia e levantou a cabeça exibindo um sorriso que ia de orelha a orelha; Ele usava o uniforme de trabalho, assim como Zack usava o macacão manchado de graxa, o que dava a entender que ambos estavam no pedágio trabalhando antes de irem ao hospital.
- E aí, o que aconteceu Baby? – perguntou Zack ansioso, assim como Lizzie, que não sabia se preferia descobrir o que tinha acontecido ou não.
- Ela acordou! Simplesmente saiu do coma. Hoje cedo, o coração de Lucy, de repente, começou a acelerar, e ela teve um novo ataque... Ela chegou a ficar sem os batimentos e então, os médicos usaram o desfibrilador. Ela voltou ao estado anterior, mas abriu os olhos dez minutos antes de ligarem pra mim lá no trabalho – Martin falava sem pausas e aos prantos de felicidade.
Zack ficou boquiaberto de alegria e Lizzie de surpresa. Havia conseguido! No fim, ela não tinha matado Lucy como pensou, mas sim, salvado-a.
- E eu não contei ainda o mais... Mais assustador, mais emocionante, eu não sei como definir. O maior milagre, como os próprios médicos falaram – Martin deu uma pausa e inspirou profundamente – Quando acordou Lucy simplesmente retomou a visão! Ela não está mais cega! Oh meu deus, minha filha está enxergando! – exclamou.
Zack e Lizzie ficaram ainda mais incrédulos, e a menina foi invadida por uma sensação de satisfação e orgulho. Havia curado Lucy completamente!
Os três se abraçaram e os homens ficaram dando gritos de comemoração enquanto Lizzie, sorrindo, ainda não acreditando no que havia feito.