#AUTORA                       

Capitulo #4









 Os olhos dela eram dessa cor mesmo? – Lizzie cochichou perto ao ouvido de Zack. Estavam os dois no fundo do quarto observando Lucy deitada na cama recebendo os carinhos do pai. Talvez o freqüente uso de óculos escuros, ou o fato de Lizzie evitar olhar diretamente nos olhos de Lucy tivessem criado aquela dúvida em sua cabeça, a questão é que a ex garota cega tinha incríveis olhos castanhos avermelhados. A principio é uma cor comum, mas não com todo aquele brilho. Era quase hipnotizante. 
Grande também era o sorriso de Martin, aliviado e estonteante de felicidade com a recuperação milagrosa da filha. Abraçava-a o tempo todo e agradecia a Deus à todo momento. “Não é a ele que você deve agradecer” – Lizzie pensava. Zack também exibia um sorriso reconfortante, e já havia cumprimentado a recém acordada Lucy. Só faltava Lizzie abraçar Lucy e expressar seu contentamento pela recuperação da garota, mas Martin parecia não querer soltá-la. Quando finalmente o fez, Lizzie se aproximou, sentou-se na beira da cama e se inclinou para envolver os braços levemente em torno de Lucy.
- Estou tão feliz que esteja bem! Você é uma guerreira – exclamou num tom tímido, se afastando – Como é voltar a ver? – perguntou curiosa. 
Lucy respirou fundo, esboçou um sorriso enorme e olhei diretamente nos olhos de Lizzie.
- Não tenho palavras pra definir, mas é tão prazeroso que nem parece que um dia fui cega. O que importa é que agora me sinto incrivelmente bem e que posso ver todos vocês... Especialmente você Lizzie – respondeu com uma estranha ênfase na última frase. Os grandes olhos amendoados de Lucy penetravam os de Lizzie como se tentasse dizer alguma coisa mentalmente, o que deixou a menina até um pouco incomodada. Não havia entendido o que Lucy insinuava com o “especialmente você Lizzie”, já que não via nenhum motivo especial em alguém poder vê-la.
Sorriu sem graça, se levantou e voltou para o fundo do quarto, onde Zack continuava parado.
- Isso dá até medo, você não acha? – Zack perguntou num tom quase inaudível.
- O quê?
- Esse... Esse milagre da Lucy! Quase morreu por um tipo de incidente que raramente acontece em casos como o dela, ficar em coma, quase morrer de novo e, no entanto, acordar e ainda voltar a enxergar – Zack falava balançando a cabeça negativamente como se negasse a acreditar na possibilidade de aquilo acontecer – Não consigo compreender algumas atitudes de Deus.
- E porque você tem tanta certeza de que isso tenha sido obra dele? Ou de que tudo que acontece é da vontade dele? – Lizzie franziu o cenho, irritada. Este tipo de conversas cristãs realmente a deixavam impaciente.
- O que você quer dizer com isso?
- Sei lá, mas se ele existe, o mal também existe. Nem todas as coisas aparentemente boas talvez sejam resultado de atitudes de Deus, mas sim do demônio... Claro que com outros interesses.
Zack ouvia quieto, encarando-a confuso. Lizzie não tinha certeza do que falava, mas era o tipo de coisa que já havia parado pra pensar a respeito. Sabia que Deus não havia causado aquilo à Lucy, e sim ela, mas em outras situações, ela não conseguia enxergar a mão de um ser tão justo e bom como a Bíblia noticia.
- Desculpe interromper esse momento, mas eu queria saber Baby, se teremos que voltar ao pedágio!? – Zack perguntou depois de um tempo pensando sobre o que Lizzie dissera.
- Você não. Eu te dispenso por hoje! Mas eu retornarei daqui a pouco. Só vou conversar com o doutor antes de ir!
- Então se vocês não se incomodam, eu vou dar uma saída... Preciso fazer uma coisa! – disse antes de se despedir de Lucy com um beijo na testa e com um tapinha nas costas de Martin. Chegou perto de Lizzie e sussurrou em seu ouvido: “Vamos lá fora!”, saindo do quarto em seguida.   Sem entender nada, Lizzie ainda ficou alguns segundos parada pensando, mas ao perceber que Lucy e Martin conversavam intimamente e que sua presença não faria diferença alguma, saiu sem fazer barulho. Não encontrou Zack ainda no corredor, então, instintivamente, desceu até o estacionamento, achando que o encontraria próximo ao seu carro. Na mosca! O rapaz estava sentado no capô da Huyndai, preparando-se para acender um cigarro que retirara do bolso do macacão.

- Eu não sabia que você fumava! – Lizzie exclamou surpresa quando sentou ao seu lado.
- Tem muita coisa que você não sabe sobre mim – indagou enquanto tragava o cigarro.
- Isso é verdade... – respondeu lembrando-se imediatamente do que Summer lhe dissera outro dia.
- Me desculpe pelo... você sabe, nosso programa não ter acontecido... – Zack olhava para o céu com um dos braços apoiando seu corpo inclinado pra trás e o outro levava o cigarro até seus lábios. Ele parecia absorto, e não totalmente focado na conversa.  Lizzie o observava, notando alguns detalhes em sua aparência, como alguns pequenos respingos de alguma coisa amarela na parte debaixo do macacão dele, ou então os primeiros três botões da parte de cima desabotoados. O cheiro de fragrância masculina e óleo de carro vindo de Zack era uma mistura bizarramente exótica.

- Relaxa! Eu já tinha até esquecido – mentiu na tentativa de parecer indiferente. Zack olhou-a com um sorriso de canto, que ficou ainda mais charmoso quando ele soltou a fumaça do cigarro. Seus olhos verdes foram do rosto de Lizzie até seu vestido preto com rendas.

- Prefiro você assim a como estava vestida ontem! – exclamou. Lizzie sorriu corada. Levou algumas madeixas de cabelo que voavam ao ritmo da brisa para trás da orelha direita.
- Mas e aí, a festa foi boa? – ela perguntou tentando fazer um tom descontraído; Evitou encará-lo, então se restringiu a observar o prédio do hospital.
- Que festa?
- A que você foi com a Summer. A da faculdade!
- Ah... Foi legal... – respondeu desanimado.
- Aliás, eu não sabia que você era universitário...
- Não sou mais.
- Porque? – Lizzie voltou a olhá-lo, tentando ver sinceridade nos olhos dele quando respondesse, no entanto, ele desviou o olhar; Abaixou a cabeça e antes de responder deu uma ultima tragada antes de jogar o cigarro fora ainda na metade.
- Sabe... Eu estou faminto! Que tal a gente comprar uma pizza no Maninno’s e comermos lá na casa do Martin? – desconversou com um sorriso forçado. Desceu do capô e se posicionou na frente de Lizzie. Ainda incomodada em ele não ter respondido, Lizzie somente assentiu e seguiu-o, entrando em seguida no carro.

Zack, diferente do normal, falou bastante durante o percurso. Tudo bem que não era nenhuma longa viagem já que a pizzaria Maninno’s era logo em frente na Hamilton Ave e de carro não levava nem 1 minuto, mas o tempo em que ficaram na espera do preparo da pizza grande de mussarela, o rapaz fez questão de falar sobre diferentes assuntos e fazer várias perguntas à Lizzie sobre sua vida. A maioria delas, obviamente, Lizzie mentiu ou tentou responder com outra pergunta em vão, já que Zack continuava desconversando quando questionado sobre seu passado escolar ou amoroso.
- Qual sua história com a Summer? – perguntou Lizzie quanto enfim tomou coragem. Estavam sentados na mesa de fundo da pizzaria, que naquela hora de inicio de noite, retornava a fichar cheio. Era um recinto simples com um aspecto caseiro, luminárias potentes, mesas quadradas e assentos duplos; Um grande balcão se entendia à frente e os letreiros informando os sabores e preço das pizzas era suspenso à cima. Era ainda possível ver parte da cozinha, especialmente os fornos, atrás do balcão. 
- Como assim? – deu uma risadinha. Em nenhum momento da conversa, até mesmo quando ignorava as perguntas de Lizzie, Zack deixou de encará-la.
- Bom, não sei. Vocês parecem se conhecer muito bem... Parecem ter uma conexão, mas ao mesmo tempo, percebi que você não fica totalmente confortável na presença dela! – explicou sincera.
- Conexão?! – gargalhou. Lizzie não entendia a reação dele. Obviamente ele queria fugir da resposta, mas ela não deixaria. Não daquela vez! Summer havia implantado bem a curiosidade a respeito de Zack em sua cabeça, e mesmo não sendo a favor desse tipo de ‘invasão’ na vida de outra pessoa, já que ela torcia para que não fizessem com ela, Lizzie não conseguia evitar. A vontade de saber era maior.
- É uma pergunta simples, Zack! Porque simplesmente não responde? Você não deve nada a mim, estamos apenas conversando – insistiu impaciente. O rapaz parou com as risadas, mas continuou encarando-a, dessa vez, sério.
- O que a Summer falou pra você? Porque está tão interessada no meu passado? – franziu o cenho.
- O que? Eu? O que te faz pensar isso? – Lizzie arregalou os olhos - Você é muito paranóico.
Zack tentou se controlar e respirou fundo; Girou os olhos pela pizzaria a fim de fugir do rosto interrogativo de Lizzie e umedeceu os lábios. Permaneceu em silêncios por alguns segundos e ficou aliviado quando viu o garçom se aproximar com o pedido deles. Levantou-se, ergueu a pizza com uma mão e com a outra puxou uma nota de vinte dólares do bolso do macacão, deixando o troco de gorjeta para o garçom. Agradeceu e fez sinal para Lizzie em direção ao carro, indicando para irem embora.

O percurso até a casa de Martin não durou nem 2 minutos.
Era realmente agradável o fato de tudo ali ser tão perto andando de carro. Isso, claro, porque a rua em que Martin residia era uma das travessias com a Hamilton Ave, o centro comercial mais próximo.
Zack puxou a mesa de centro da sala para perto do sofá e repousou a pizza na mesma; Pegou ketchup e mostarda na geladeira e um resto de refrigerante que havia sobrado do jantar de outro dia. Lizzie mesmo ficou sentada no sofá, observando. Não deixou de estranhar a forma como Zack agia livremente na casa de seu ‘patrão’.
- Você e Martin são íntimos, é? – brincou.
- O suficiente para ele confiar em mim e me deixar ficar em sua casa sem problemas – respondeu sarcástico. Por fim, depois de também pegar dois garfos e entregar um à Lizzie, sentou-se ao seu lado no sofá. Sorriu e espetou um pedaço de pizza, devidamente cortada à francesa. Lizzie imitou o gesto.
- Nosso passeio não rolou, mas hoje podemos relaxar tranqüilos aqui! – exclamou antes de enfiar outro pedaço de pizza na boca. Lizzie sorriu de canto arqueando a sobrancelha.
- Talvez você seja suficientemente de confiança do Martin pra “relaxar tranqüilo” aqui, mas não sei você se lembra que eu sou só uma estranha recebida carinhosamente a menos de uma semana! Não sei se consigo me sentir tão à vontade como você está sugerindo! – ambos riram.
- Com certeza eles não te acham nenhuma ameaça! Cara, eles te entregaram uma chave! Hahahahaha! Martin já praticamente te adotou... Eu não sei o que você tem ou fez, mas todos simplesmente te adoraram – falou terminando com um tom gentil. Lizzie mordeu os lábios e corou. De certa forma, as palavras de Zack a deixaram reconfortada e ela sentiu-se estranhamente boba. Ser adorada e recebida daquela forma estava além do que jamais imaginara que seria. Uma voz no fundo de sua consciência sempre a lembrava de não se apegar ou de pensar que era significante, mas ao ouvir aquelas palavras, ela não ligava. E como poderia? Passara a vida toda em ambientes infelizes e rodeados de insanidade ou então atacada por brincadeiras maldosas e humilhantes. Era de se esperar que tendo a oportunidade de se sentir parte de um lar normal e afetuoso, ela simplesmente não ia se importar com o que a razão dizia.
Falado isto, ambos ficaram num estranho silêncio por uns segundos. Comeram mais alguns pedaços de pizza e beberam o resto de refrigerante. Satisfeita, Lizzie jogou o garfo sob o papelão da embalagem da pizza e recostou-se no sofá massageando a barriga cheia.
- Aliás, o que você quis dizer com relaxar tranqüilos aqui?– perguntou olhando para o teto. Zack terminou de mastigar o pedaço que estava em sua boca para também abandonar o garfo e encostar o corpo no sofá. Alguns fios de cabelo caíram sobre seu rosto virado na direção de Lizzie. Ele olhava-a, mas parecia pensativo.
- Você parece tão autêntica e frágil, mas quando eu paro pra te analisar, eu vejo certa escuridão nos seus olhos... Enxergo algum tipo de dor até nos seus mais raros sorrisos – Zack sussurrava, encarando-a. Lizzie escondeu o sorriso e também ficou séria.
- Eu digo o mesmo a você – retrucou.
- Então acho que nós dois vivemos alguma coisa bem traumática ou triste...
- Eu sei que eu vivi, mas como eu poderia saber de você já que nunca responde nada?
- O dia que você dizer a verdade sobre o seu passado, eu conto sobre o meu – exclamou. Lizzie estremeceu diante das palavras dele. Zack então desconfiava das histórias que ela contara sobre sua vida? Se sim, por quê? Ou ela não tinha sido convincente o suficiente, ou ele era um bom analisador. Talvez os dois! Desde o dia que Martin encontrou Lizzie no pedágio, ela reparara que Zack a avaliava de uma forma estranha, sempre ouvindo suas explicações sem expressar pena ou surpresa.
- Você está querendo insinuar que eu sou mentirosa? – perguntou com um tom bravo.
- Só acho que você não foi totalmente verdadeira sobre sua vida... E não sei, mas parece que você omitiu coisas.
- E o que te faz pensar isso? Só porque eu sou mais reservada ou que não sou muito extrovertida? – Lizzie não queria mostrar medo, mas começava a se irritar. Não da semi acusação correta de mentir, mas porque o rapaz, ao seu ponto de vista, estava sendo hipócrita – E se você acha isso de mim, eu posso pensar o mesmo sobre seu respeito!
- E pensa, correto? – ele deu uma risadinha. Lizzie, sem ação ou o que dizer, voltou a se recostar no sofá e olhar para o teto. Os dois ficaram sem falar por alguns minutos, até que Lizzie quebrou o silêncio com uma voz melancólica.
- Porque a vida parece tão injusta para aqueles que praticamente não fazem mal algum? – perguntou pensativa. Zack observava-a e reparou que os olhos da garota estavam marejados.
- Sabe porque eu não gosto de pensar ou falar sobre o passado? Porque se não eu não consigo viver o presente ou fazer planos para o futuro. Viva o agora Lizzie! Deixe tudo pra trás, onde ele está – respondeu carinhosamente.
- Não consigo! Simplesmente não há como... – a voz de Lizzie tremia, tentava segurar-se, mas os sentimentos dentro de si estavam inquietos tentando explodir para desmoroná-la. Estava cabisbaixa para esconder a fraqueza estampada em seu rosto atrás do cabelo escorrido sobre ele.
- Sempre há segundas chances Lizzie. Você está tendo a sua! Aproveite – exclamou. Zack levou uma mão até o queixo da garota, erguendo seu rosto. Uma lágrima corria em sua face pálida. Uma lágrima de vergonha, de alívio e de uma dor que tentou reprimir de si mesma à anos.
Zack compartilhava aquela atmosfera de sensibilidade com ela, e sem perceber, seus olhos também ficaram lacrimejados. Lizzie mantinha a respiração pesada quando levantou o olhar em direção ao de Zack.
- Porque você está sendo legal comigo? Porque todos vocês estão sendo tão generosos? – questionou.
- E porque não seríamos? – franziu o cenho.
- Ninguem é assim! E você mesmo disse que eu estou mentindo... E ainda assim, continua me tratando bem!
- Todos mentem Lizzie. Uns mentem por maldade, outros por oportunismo... E outros mentem para não sofrer, porque não conseguem lidar com a verdade sem se machucar. E eu acho que isso se aplica a você – respondeu sincero.
- E porque você acha isso?
- Porque eu faço isso, e eu vejo muito de mim em você.
Outra lágrima escorreu sob seu rosto, mas ela sorria, assim com Zack. Era um sorriso tímido, de agradecimento e compreensão, que expressava tudo o que ela sentia naquele momento sem precisar dizer nada.
E os dois ficaram ali se olhando com a cabeça repousada sobre o sofá por longos minutos como se conversassem sem palavras, até que uma hora, sem nem perceberem, adormeceram.


Os cinco dias que se passaram a partir daquele com Zack na sala de Martin foram de total estranha paz e normalidade. Não que Lizzie conhecesse bem esse estado, mas comparado a tudo que ela já tinha vivido, aqueles dias tinham sido tudo menos macabros. Até mesmo os pesadelos pararam de assombrá-la na hora de dormir durante aquele período de tempo.
No dia seguinte à recuperação de Lucy no hospital, ela voltara para casa. Martin a trouxera de carro e expressava sua felicidade para todos da vizinhança. Uma pequena celebração foi feita para a garota, e parte da organização foi de Lizzie, que se responsabilizou pelos deliciosos aperitivos. Aliás, ela havia tomado sem permissão todas as tarefas domésticas para si como forma de “pagar” sua hospedagem da casa de Martin; Não que ele concordasse com isso, mas ela insistira. Não queria se sentir como uma pobre coitada vivendo de caridade na casa dos outros, então além das tarefas domésticas, Lizzie também passou a preparar as refeições e marmita de Martin, tudo antes feito por Lucy, mas que naquele momento ainda não retornara à sua rotina normal. Ela também não pareceu se incomodar com a iniciativa de Lizzie, muito menos sentiu qualquer tipo de ciúmes em ver que a garota começava a tomar mais espaço em sua casa. Os vizinhos já a conheciam, assim como os donos dos estabelecimentos mais próximos, como a padaria, a farmácia e a pizzaria, por exemplo. Todos achavam que ela era filha de uma amiga de Martin que estava ali para cuidar de Lucy, que aos olhos dos outros, ainda se recuperava do recente incidente. A questão é que Lucy sentia-se totalmente recuperada! Seus sentidos e funções estavam em perfeito estado como se nada tivesse acontecido, e isso deixava Lizzie extremamente satisfeita. Chegava a se gabar mentalmente contente por ter feito tão bom trabalho de cura.
Nenhum médico havia presenciado um caso como aquele, ou tinha visto alguém se recuperar perfeitamente rápido depois de retornar a ver. A história de Lucy correu de canto a canto em Trenton, fazendo-a virar um tipo de celebridade da cidade. Até relatos na internet foram divulgados e não demorou muito para que o jornal local e a imprensa mais próxima quisessem comentar sobre o caso na mídia, mas Martin com medo de expor-la e talvez prejudicar sua saúde, fez o máximo para evitar o “assédio”. Lizzie também não tinha muita vontade de acabar saindo acidentalmente em alguma foto ou matéria circulada na mídia com receio de ser reconhecida por alguém do orfanato ou da cidade onde morou antes da morte da mãe. Não achava que alguém a procuraria, mas era melhor evitar. Também não ia querer que lhe fizessem perguntas, ou por algum motivo desconhecido, fossem pesquisar sobre sua vida.
Lucy ainda não tinha tomado conhecimento da procura da mídia, pois naqueles primeiros cinco dias, não havia saído praticamente de casa a pedido do pai. Na maior parte do tempo, Lucy assistia filmes e programas na televisão, experimentava por diversão diversas roupas e maquiagens, se admirava no espelho e todo o tipo de coisa em que o sentido da visão era primordial. Fazer isso insistentemente passou a ser um pouco estranho depois do quarto dia, mas não foi mais estranho quando Lizzie flagrou-a fumando e bebendo vodka. Na primeira vez, ela estava na cozinha e fingiu que não tinha visto Lucy fazendo isso na sala que a mesma não percebera sua presença lá, mas na segunda vez quando estavam sentadas na sala conversando e vendo TV, Lizzie não conseguiu ignorar ao vê-la repetindo o ato.
- Martin não vai gostar se ver isso – comentou timidamente. Lucy esboçou um sorriso de canto e deu outro trago no cigarro.
- Ele não precisa saber Liz, porque eu não vou contar – ela virou-se pra Lizzie com a sobrancelha arqueada – Você vai? – perguntou séria. Lizzie balançou a cabeça negativamente. Lucy sorriu novamente satisfeita, bebericou a vodka e voltou a assistir televisão. Lizzie mordeu o lábio, sentindo-se desconfortável com a situação. Não queria mentir ou omitir para Martin, mas também não queria ficar mal com Lucy. Aliás, a garota tinha todo o direito de curtir a ‘nova’ vida da forma que achava melhor, mesmo que aquele comportamento não fosse ‘o melhor’. Mas pelo menos uma coisa sobre o novo comportamento de Lucy, Lizzie tinha gostado: ter parado com o grupo de orações. Desde a comemoração do retorno de Lucy que Lizzie não via aquelas pessoas, assim como também não presenciou mais a garota orando no altar improvisado na extremidade da sala. Alías, o próprio altar havia sido totalmente rejeitado por Lucy, que assim que voltou pra casa, pediu para ser guardado no quarto de depósito.  Martin relutou no começo, mas pra não brigar e irritar a filha, acabou assentindo.

Lizzie nunca sentiu tanto prazer em arrumar a casa ou passar o tempo com Lucy fazendo absolutamente nada, e acabou se fechando naquela rotina, abandonando inconscientemente a  sua busca pelo Raul. E quanto mais Martin demonstrava afeto e agradecimento a ela, mais Lizzie queria se mostrar prestativa. E enquanto ele a elogiava, mais reclamava interiormente sobre Lucy. Logicamente, ele sentia falta da filha que havia morrido antes do seu “renascimento”. A filha que antes era doce, organizada e frágil, se tornara vaidosa, fresca e irritava-se cada vez mais com a prisão domiciliar que Martin inutilmente fazia com ela.


Na quarta noite, depois de chegar do trabalho e jantar, Lizzie esperou Lucy subir para o quarto e chamou Martin na cozinha. Sugeriu que ele enfim a liberasse para sair um pouco, e talvez assim, ela ficasse menos inquieta. Relutante, Martin concordou, pois depois de refletir, percebeu que talvez este fosse a melhor solução diante o novo comportamento rebelde de Lucy. Ela não era criança, nem adolescente! Era uma adulta que acabara de passar por um momento inédito, e que provavelmente, só queria celebrar sua vitória.  
Deste modo, Martin foi até o quarto de Lucy e conversou com a filha. Pediu-lhe perdão por suas restrições e explicou que só estava tentando protegê-la. Abraçaram-se, e só depois que o pai saiu do quarto, que Lucy demonstrou satisfação.
No andar de baixo, Lizzie lavava a louça enquanto conversava com Zack, que como de costume, voltava do pedágio junto com Martin. Era bom ter com quem conversar decentemente no fim do dia, já que Lucy parecia só querer falar sobre assuntos de beleza ou saber das fofocas da vizinhança. Com Zack, Lizzie conseguia conversar sobre música, cinema, noticias do mundo e até sobre esporte. Neste ritmo, ela nem fazia mais questão de fazer perguntas sobre seu passado, e só falavam sobre sua vida por vontade própria, sem pressão ou questionamentos.
- Amanhã é sexta feira e eu não trabalho. Estava querendo ir num lugar bacana aqui em Trenton... Tá a fim de ir comigo? – perguntou quando a ajudava e secar a louça. Lizzie ainda relembrou da última vez que Zack a convidara pra um passeio, mas decidiu deixar de lado e aceitou.
- Vai me dizer que lugar é esse pra eu a menos saber o que vestir?
- Vista o que você sempre veste que tá ótimo. Só fique confortável! – respondeu. Lizzie assentiu. Daquela vez estava mais tranqüila com essa questão de vestuário, pois Lucy havia lhe dado um bocado de roupas desde que voltara. Não eram exatamente no estilo que ela preferia, mas daria um jeito.
Depois de ajudar Lizzie na cozinha, Zack se despediu de Martin e anunciou que iria pra casa. Ela ainda não sabia onde ele morava, mas ele comentara certa vez que não ficava longe.
- Amanhã então, hein! Encontro-te aqui ao meio dia – exclamou segurando a porta.
- Espero que sim! – brincou. Ambos riram e depois Zack saiu. Logo em seguida, Lizzie subiu correndo até o quarto de Lucy no segundo andar. Bateu forte da porta duas vezes até a outra abri-la. Lucy usava uma camisola roxa transparente que exibia o sutiã e a calcinha de renda da mesma cor que usava por baixo. Segurando um cigarro entre os dedos e uma expressão de interrogação, ela perguntou o que Lizzie queria.
- Me ajuda com uma coisinha? – pediu fazendo um gesto de súplica com as mãos e um sorriso malicioso.

- O que? – arqueou a sobrancelha desconfiada. Ela deu espaço para Lizzie entrar e as duas sentaram na beira da cama. O quarto de Lucy era o maior da casa, e agora tinha vários recortes de revista e jornal colados nas paredes naturalmente brancas, grande parte deles, eram mulheres bonitas e famosas; Um guarda roupa imenso de madeira clara ficava ao lado da porta, uma cômoda com micro system e uma luminária moderna ficava o lado da cama e uma penteadeira com um grande espelho e diversos produtos de maquiagem ficava do outro lado.
- Você conhece o Zack a muito tempo, Lucy? – perguntou.
- Bem, o conheço a mais de um ano, mas ele tem freqüentado nossa casa com certa freqüência a uns quatro meses eu acho. Por quê?
- Ele me chamou pra acompanhá-lo a um lugar amanhã...
- Você quer dizer que vocês vão ter um tipo de encontro? – Lucy deu uma risadinha e levou o cigarro aos lábios; A fumaça do mesmo acabava indo em direção ao rosto de Lizzie o tempo todo, fazendo-a tossir de leve – Isso já era tão esperado.
- Era? Er, Não sei se posso chamar de encontro. A questão é que eu o Zack talvez tenha alguma coisa com uma garota aí e...
- Ô Liz, posso ser sincera? Sabe o que eu vejo quando olho para o Zack? Um homem. E homens são todos iguais! A diferença é a aparência, e no caso dele, acho que você pode ficar bem tranqüila – interrompeu-a. Lucy falava num tom impaciente, porém engraçado – Quando cega eu já imaginava que ele era bonito, mas nem se compara com a imagem que ele tem de verdade – gargalhou. Lizzie também esboçou um sorriso de canto, mas não deixou de ficar incomodada com o que ela dissera. E mais ainda: Lizzie não entendia como ainda se permitira criar tantas expectativas ou porque estava ali fazendo perguntas daquele tipo à Lucy. O que ela poderia entender? A antiga Lucy não parecia ser a pessoa mais experiente neste tipo de assunto, muito menos especialista de homens.
- Você acha que eu devo ir então, sem problemas?
- Vai garota, mas tenha controle da situação. Não seja bobinha, o que eu acho difícil de você conseguir, mas... Fica de olho aberto. O Zack não tem a melhor das reputações aqui em Trenton – falou com um tom sarcástico, mas misterioso. Lizzie franziu o cenho e viu ali a oportunidade de talvez saber de algo. Do jeito que Lucy falara, alguma coisa a respeito de Zack.
- O que você quer dizer, Lucy? – perguntou curiosa.
- Antes de o Zack fazer essa linha bom moço trabalhando com o meu pai, rolavam muita história por aí sobre algumas coisas que ele fazia. Eu não lembro exatamente o que era, mas Zack definitivamente não tinha nada de rapaz decente. E só olhar bem pra cara dele e você consegue ver isso claramente! – exclamou dando um ultimo trago.
Lizzie queria perguntar mais, fazê-la falar tudo o que ela poderia saber, mas fazer isso seria se mostrar interessada demais, e ela não estava assim. Certo? Era o que ela queria pensar. A questão é que decidiu parar com o assunto a fim de não ficar dando muita importância a qualquer coisa relacionada ao garoto.
- Mas a tal ajuda que tu queria era o quê?
- Queria só um conselho, sabe... De mulher pra mulher – mentiu com um sorriso sem graça. Lizzie na verdade queria a ajuda de Lucy para escolher a roupa que usaria no dia seguinte, mas percebeu que estava se afobando muito, e as palavras de Lucy a respeito dos homens e Zack a fez raciocinar um pouco mais. Ela estava certa sobre tudo, e nada na verdade era uma novidade; Aliás, Zack já havia lhe dado bolo uma vez para ir a outro lugar com Summer que aparentemente tinha ou teve alguma coisa com ele... Lizzie não podia se animar demais. E antes de qualquer coisa: Zack era e continuaria sendo só um amigo!
- Aproveite enquanto conselho é de graça então – brincou. Lizzie riu e se levantou para sair do quarto. Lucy acompanhou-a até a porta pra trancá-la, mas antes de fechar, ela sussurrou perto do ouvido da menina - Cuidado amanhã!
Lizzie encarou-a sem entender, e foi assim, com o rosto bem próximo de Lucy que ela notou que os olhos amendoados da garota tinham algumas manchas vermelhas.

No outro dia, Lizzie acordou mais cedo que o normal, mas se negou levantar da cama. Ficou deitada, olhando para o teto, pensando em como seria aquele dia. Afinal, o que havia de especial em sair com o Zack? Porque era tão difícil tornar aquele momento em só mais um dos que aconteceria durante o dia?
O curioso é que não era sobre Zack que Lizzie pensava, mas sobre o passatempo que teriam em si. Não era como se ela ficasse pensando nele e toda a sua aparência atraente, mas sim no que eles fariam, como tudo seria e como o passeio acabaria.
Lizzie ficou na cama pensando por pouco mais de uma hora, e o tempo passou sem que ela percebesse. O despertador que ficava na cômoda ao lado da cama tocou no horário em que ela estava acostumada a acordar: 8:00 hrs.
Finalmente, ela se levantou, foi até o banheiro onde lavou o rosto e escovou os dentes. Vestiu um hobby que veio no monte de roupas doadas por Lucy e desceu até a cozinha para preparar o café da manhã, mas Martin havia se adiantado e já terminava de preparar queijo quente e vitamina de mamão.
- Bom dia! Não vai para o pedágio? – perguntou surpresa. Normalmente, Martin ia trabalhar bem cedinho, antes mesmo de clarear.
- Mudei meu turno hoje com um amigo que eu devia um favor, então eu vou começar no fim da tarde e só volto amanhã de manhã – explicou – Dê uma olhada em Lucy pra mim. Hoje ela deve sair, ver algumas amigas e coisas do tipo. Amanhã você me diz se correu tudo bem, ok? – pediu e Lizzie assentiu. Era engraçado ver como Martin confiara sua filha de 25 anos a uma garota de 18 que nem era da família. Ela ficou orgulhosa.
Ajudou-o a arrumar a mesa para o café, e comeu demoradamente porque Martin começou a conversar, contando-lhe histórias da infância de Lucy. Quando percebeu um rápido silêncio, Lizzie enfiou o que restava do queijo quente na boca e se levantou da mesa antes mesmo de terminar de mastigar. Não queria ser rude, mas estava com certa “pressa”. Ela pretendia manter as tarefas domésticas antes do passeio com Zack, que seria meio dia, portanto, ela tinha poucas horas até lá; Sem falar que ainda precisava se arrumar. Deste modo, ficar papeando no café da manhã com o Martin, por mais gentil e engraçado que ele fosse, não era o melhor programa no momento.
Lucy passara a acordar bem tarde desde que voltara do hospital, portanto não ia precisar tirar a mesa – Trocou o hobby e o baby doll por um conjunto de moletom lilás (também de Lucy) pra arrumar a casa. Varreu e passou pano úmido no chão, espanou os móveis, limpou o banheiro e colocou as roupas sujas na máquina. Quando terminou, Lizzie consultou o relógio e ficou tranqüila ao ver que tinha sido rápida, porém, eficiente – Eram 10 e meia da manhã. Tinha tempo de sobra para se arrumar.
Tomou um demorado banho de banheira, se enrolou na toalha e penteou e secou os cabelos; Usou o desodorante e o perfume que estavam de bobeira no armário do banheiro, que provavelmente eram de Lucy já que aquele era o banheiro do segundo andar, o mesmo em que ela dormia. Quando saiu, deu de cara com a garota que acabava de acordar.
- Bom dia, Lu! – exclamou sorridente. Lucy bocejou – Seu pai não foi trabalhar cedo... Ele está lá embaixo – avisou, olhando em direção à lingerie indecente que a outra usava, como se desaprovasse a idéia de ela aparecer daquele jeito perto do pai. Lucy deu de ombros e desceu, enquanto Lizzie subiu para ‘seu’ quarto no terceiro andar.
Abriu o guarda roupa e jogou na cama todas as roupas que tinha trago consigo na mochila e as que tinha ganhado de Lucy.  A propósito, ela estava bastante acostumada com doações de roupas, já que sobreviveu desta maneira no orfanato. Correu os olhos por todas as peças, lembrando-se de que Zack sugerira que ela usasse o que costumava vestir, mas de forma que ficasse confortável.
Separou algumas peças que gostara de cara, mas no fim, acabou optando por um vestido branco de cetim e tule que Lucy disse ter usado em uma apresentação de canto na antiga igreja que freqüentava. Estranhamente, o vestido não era nada careta, e muito bonito, conquistando Lizzie de primeira.
Agradeceu mentalmente ao fato de ter corpo e altura parecidos com o de Lucy, e ficou contente quando o vestido coube tranquilamente em si. Pegou o pequeno estojo de maquiagem que Lucy havia trocado por um maior e esfumaçou o lápis de olho com sombra preta próximo aos cílios; Para os lábios, passou de leve um batom alaranjado. Não precisava de mais do que isso no rosto.
Quando se olhou no espelho, sorriu ao ver o resultado. Estava bonita e se sentia assim! O vestido de alça leve e fluido que chegava quase aos pés lhe fazia parecer uma espécie de anjo.

 
Lizzie ficou se admirando no espelho por um longo tempo, talvez porque nunca se sentira tão bonita como naquele momento. Quando desceu para o segundo andar era exato meio-dia.
Lucy estava na cozinha devorando seu café da manhã atrasado e Martin assistia a um programa de esportes na televisão. Lizzie parou no fim da escada, fazendo-se ser percebida imediatamente por Martin, que a olhou com um largo sorriso.
- Uau! Olhe como você está linda! – exclamou. Lizzie sorriu tímida. Lucy apareceu na sala com um copo de vitamina na mão e analisou a menina.
- Quem diria que esse trapo ainda ia servir pra alguma coisa – comentou mal humorada. Lizzie mordeu o lábio inferior chateada. Ela no mínimo esperava que Lucy dissesse algo realmente gentil como sempre fizera, mas Lizzie esquecia de que a garota não era mais a mesma.
- Obrigada Martin – disse.
- Mas para aonde você vai? – perguntou curioso, arqueando a sobrancelha. Lizzie não se incomodou com a pergunta, de fato, até gostara. Ela imaginava que era um sinal de preocupação.


- Zack vai me levar pra conhecer um lugar – explicou sem graça.
- Hm, entendo... Espero que se divirtam então! E juízo – disse sério, porém, num tom descontraído.  No mesmo instante, foram ouvidas algumas batidas na porta. Lizzie estremeceu. Ela mesma foi abrir a porta e sorriu aliviada quando viu Zack atrás da mesma, dessa vez, sozinho e com uma expressão positiva. Ele usava uma calça preta, uma camisa na mesma cor por cima de outra branca de manga longa e tênis All Star. Vendo-o, ela não deixou de se sentir estranha com a roupa que usava. Achou que estava “arrumada demais” enquanto ele estava bem mais a vontade. No entanto, ao perceber a expressão surpresa dele ao vê-la, desistiu na hora da idéia de trocar de roupa. Ele ficou alguns segundos admirando-a com um sorriso de canto e Lizzie não podia se sentir mais orgulhosa de sua aparência naquele momento.
- Que bom que eu não me arrumei à toa – disse enfim.
- Você está... Está incrível – exclamou tímido. Lizzie apenas sorriu, corada.
Zack cumprimentou Martin e Lucy ainda parado na porta.
- Olhe bem aonde você vai levá-la e o que vai fazer hein rapazinho! – brincou. Lizzie ficou ainda mais envergonhada. Ela não considerava aquele passeio um tipo de ‘encontro’, mas Martin fazia assim parecer e a idéia a deixava ansiosa, enquanto Zack parecia bastante constrangido. A menina jamais tivera qualquer coisa parecida com um encontro, nem mesmo um passeio com alguém do sexo oposto como estava prestas a fazer. Lizzie só vira algo do tipo nos filmes que via sem muita vontade no orfanato.
- Vamos?! – Zack fez sinal em direção ao carro estacionado. Lizzie notou que o veículo havia sido limpo, pois ela se lembrava dele estar imundo no dia anterior.  Ela assentiu, despediu-se de Martin e fechou a porta, acompanhando Zack até o carro.
O dia estava num clima super agradável, exatamente como Lizzie gostava: brisas frescas, às vezes gélidas, mas um sol radiante por detrás das poucas nuvens aparentes no céu. Ela pensou que talvez, no fim do dia, pudesse sentir frio já que o vestido não cobria parte do colo e os ombros, mas talvez Zack a levasse à um lugar mais protegido do clima.

Lizzie sentou-se no banco do carona, apoiando o braço sob a janela aberta e a deitou a cabeça por cima. Queria sentir o vento beijar seu rosto e esvoaçar seus cabelos.
 Zack ligou o carro e deu partida, pisando de leve no acelerador. Diferente de como costumava fazer, daquela vez ele não correu e dirigiu dentro da velocidade média de 60 km. Lizzie conseguiu observar pela visão periférica, que por vezes, Zack parava de prestar atenção no caminho para olhá-la, o que a fazia corar ainda mais do que a brisa gelada já causava em suas bochechas pálidas.
- Eu ainda não posso saber aonde vamos, né? – perguntou.
- É um lugar que vai combinar totalmente com o seu visual – disse risonho – Mas do que adianta eu falar o nome do local, se você não conhece praticamente nada em Trenton?
- Bem... Eu conheci a maior parte da Hamilton Ave – respondeu sarcástica ao perceber que o rapaz passava com o carro exatamente naquela avenida.
- Aonde vamos não tem nada a ver com a Hamilton Ave, pode ficar sossegada!

Zack então ligou o rádio e não fez menção de mudar a estação sintonizada, uma daquelas que na maior parte do tempo tocava flashbacks, algo que já também estava acostumada porque era o que costumava tocar no rádio do orfanato.  Lizzie não tinha nenhuma preferência musical e em sua infância, ouvir música ou ser fã de algum artista não era o tipo de coisa que mais fazia nas horas vagas, o que a fez ser bastante leiga em assunto de música, e dificilmente reconhecia algum cantor ou cantora atual pela voz.
Uma música meio lenta com guitarra envolvente e bateria leve tocava por baixo de uma voz calma, o que a agradou. Ficou surpresa em ver que Zack, aparentemente, também gostava já que batia os dedos no volante de acordo com o ritmo. Por algum motivo ela ficou surpresa, já que imaginava que ele gostasse de algum tipo de rock pesado.
Agradeceu mentalmente por ele não iniciar nenhuma conversa a respeito de música, e em vez disso, ficou em silêncio assim como ela durante todo o trajeto, que durou cerca de 20 minutos. Seguindo a direção oeste da Hamilton Ave em direção a Franklin St, ele virou o carro para a esquerda, caindo numa pequena rodovia e mais frente virou na primeira direita; Chegando ao fim da Cass St, Zack diminuiu a velocidade de frente a uma grande construção circular de tijolinhos com cobertura verde acoplado com bilheterias e um segundo andar com grandes janelas, um letreiro com as palavras “WaterFront Park”, e acima de tudo, uma bandeira dos Estados Unidos estiada num mastro. Na larga calçada do lugar também tinham algumas tendas, árvores e postes com luminárias decorados com pôsteres de jogadores de baseball. De cara, Lizzie não compreendeu o que poderia ser aquilo, e por um segundo achou que aquele era o destino deles percebendo que Zack estacionara o carro numa vaga de frente ao lugar.
- Isso é um estádio de Baseball! – explicou, desligando o carro. Lizzie balançou a cabeça em sinal de compreensão, mas não se mostrou animada. Não que não gostasse de esportes, na verdade, adorava! Gostava mais de assistir baseball do que séries de televisão, mas a idéia de assistir um jogo de baseball com aquela roupa e naquele momento não lhe agradava muito. Por sorte, percebendo a expressão da menina, Zack adiantou:
- Mas não é aqui que vamos. Não hoje! – explicou, deixando-a mais tranqüila – Vamos. O resto do percurso terá que ser feito a pé – avisou. Saiu do carro e espero Lizzie fazer o mesmo para caminhar lado a lado com a garota. Deixando WaterFront Park atrás, andaram para o lado contrário do estádio, andaram em uma rua não muito movimentada, onde apenas outra grande construção dividia a região, que parecia ser um enorme hotel sofisticado.

Quando avistou o hotel, Lizzie torceu para que aquele então não fosse o destino. O que fariam num hotel? Até para uma mente inocente como a dela, a hipótese principal não era algo ingênuo, e se ela estivesse certa, ficaria bastante decepcionada.
Por sorte, Zack a guiou para contornar o prédio do hotel, se direcionando para os ‘fundos’ da construção, uma faixa de terra com muitas árvores e arbustos que bloqueava a visão para o que pudesse haver atrás, deixando a menina novamente ansiosa e desconfiada.
Como ela não sabia se eles podiam estar ali, Lizzie estremeceu um pouco ao ver que alguns seguranças do hotel faziam ronda em torno do mesmo. Aquela área parecia pertencer à propriedade do hotel.
- Aja normalmente. Fique tranqüila! Não estamos fazendo nada de errado – sussurrou para a menina ao perceber sua tensão. Lizzie assentiu e tentou agir normalmente, assim como Zack, que sorria e acenava com a cabeça para as pessoas que cruzavam por eles, até mesmo um dos seguranças. Quando chegaram mais perto da fila de árvores nos fundos do terreno, o garoto puxou um maço de cigarros do bolso da calça e um isqueiro; Acendeu um cigarro com pressa e fez uma expressão de alívio. Lizzie continuou o observando, caminhando logo atrás de Zack enquanto passavam pelas árvores. Não eram árvores imensas, e talvez por causa da estação atual, as folhas estavam secas e muitas delas também haviam caído recentemente no chão de barro. Lizzie ergueu a barra do vestido afim de não sujar ou não grudar folhas secas.
Continuaram caminhando por entre as árvores por alguns segundos até finalmente sair numa outra área já pavimentada com pequenos paralelepípedos, ornamentado com um belíssimo jardim cheio de vida, que não combinava com o aspecto das árvores que ela havia visto logo atrás no caminho; Era um jardim circular cheio de flores coloridas com um espaço no meio onde era possível sentar-se na beirada do muradinho que protegia as flores. Em torno do jardim, um espaço para andar permitia chegar à extremidade do local: duas pilastras de tijolos decorativos seguravam um arco azul, e passando por ali, uma escada levava a um pequeno cais de barcos flutuante sob o grande e extenso rio de águas profundamente azuis que cortava New Jersey e Pennsylvania. Brisas geladas cortavam o ar ali próximo ao rio, mas não tinha vento suficiente para deixá-lo agitado.  Certamente, aquele lugar cheio de sombras de arvores e plantas é o que acabava intensificavam o clima úmido.
- Lindo aqui! – Lizzie exclamou sorridente. Jamais havia sido levada para conhecer um lugar tão natural, feliz e cheio de cores alegres. Era um espaço romântico, de paz. Tudo o que no fundo ela desejava para sua alma, diferente dos ambientes em que foi criada, desde o pântano sujo em que viveu com sua mãe e depois o velho orfanato preenchido de falta de esperança e tédio.
Lizzie fechou os olhos e inspirou com força, preenchendo suas narinas com aquele oxigênio limpo e puro. Estava bem no meio do jardim, e também conseguira sentir o doce odor das flores. Zack, parado próximo ao arco, a observava satisfeito enquanto terminava de tragar seu cigarro.
- Vem! Aqui é só o começo – avisou, fazendo sinal para que ela continuasse acompanhando-o. Ela deu a volta pelo jardim e o seguiu, passando pelo arco para descer as escadas que davam ao cais; Uma pequena canoa estava presa por uma corda ao fim.
- Eles aconselham a não “navegarmos” neste rio, mas o conselho não se aplica em dias como este de hoje – comentou, confirmando a idéia que Lizzie tivera ao ver o utensílio aquático – Já passeou de barco ou algo parecido alguma vez? – perguntou, ajudando-a a entrar na canoa. Ela balançou a cabeça negativamente e sentou na ponta um pouco desengonçada de acordo com o balanço da canoa. Em seguida, Zack sentou-se na outra ponta e foi desenrolando a corda que prendia a pequena embarcação de madeira ao cais, fazendo com o que o mesmo fosse se distanciando ao poucos. Para alívio de Lizzie, ele não desfez os nós da corda, de modo que a canoa continuasse presa com segurança.

Era inevitável não sentir algum tipo de medo, principalmente porque Lizzie não sabia nadar, e o rio era aparentemente fundo. Tentou não imaginar nenhuma situação desesperadora, mas só conseguiu fazer isso com eficiência quando Zack começou a conversar.
- Esta canoa foi um presente. Ganhei a uns dois anos atrás do meu pai. Ele era apaixonado por mar, barcos e todo esse tipo de coisa – contou com uma expressão distante, olhando para o horizonte atrás de Lizzie.
- Que legal. Mas você também gosta disso? – perguntou. Na tentativa de ficar mais confortável, Lizzie desceu da bancada, e se sentou no chão da canoa, dobrando os joelhos próximos ao seu corpo e ajeitando vestido sobre suas pernas, cobrindo-as.
- Não é o meu hobbie preferido, mas é tranqüilizante...
- Você disse que ele era apaixonado? Não é mais?
Zack ficou subitamente em silêncio, cabisbaixo, pensando antes de responder. Lizzie reparou que a expressão dele mudara totalmente para uma mais angustiada.
- Ele morreu um tempo atrás – explicou. Seus olhos visivelmente ferviam em sentimento de ira. Lizzie mordeu os lábios, comovida. Ela entendia o era perder um parente, mas provavelmente, os pais de Zack não deviam ser nada parecidos com a sua mãe Teresa, porque ela jamais conhecera se quer alguém similar a ela. Definitivamente, perder um bom pai como ela imaginava, devia ser doloroso. Ela enxergava aquilo no rosto de Zack.
- Espero que me trazer aqui não te traga lembranças tristes – disse com um sorriso de canto, tentando descontrair a situação. De certa forma funcionou, pois Zack ergueu a cabeça e deu uma risada.
- Não... Pelo contrário. Eu só tenho boas memórias neste local.
- Então eu fico feliz que o esteja dividindo comigo! 
- É, ele agora pode ser seu também – brincou.
-   Já veio com alguém aqui antes? – perguntou receosa.
- Só com o meu pai mesmo – respondeu, deixando-a estranhamente aliviada. Aquilo tinha mesmo importância? – E agora, você.
- Ótimo, agora me sinto especial! – riu. Zack também sorriu, mas continuou a encará-la. O sol tentava brilhar por trás das nuvens que se acumulavam cada vez mais no céu, criando uma tonalidade acinzentada, muito comum em Trenton. Mas enquanto não fossem nuvens pesadas, não havia com o que se preocupar.
 Lizzie tentava controlar o cabelo que voava, encaixando-os por detrás da orelha, enquanto Zack deixava com que suas madeixas esvoaçassem de forma que parecia incomodar os olhos, mas ele não ligava.
- Eu não trouxe lanche, mas planejo te levar pra lanchar depois. Não vou te deixar passar fome a tarde toda, fica tranqüila – disse, quebrando o silêncio.
- Não se preocupe. Não sinto muita fome...  Mas então quer dizer que vou ter que te agüentar a tarde toda? – brincou. Zack fez uma careta como se tivesse sido ofendido e ambos riram.
- Eu sei que eu sou um saco – respondeu fazendo bico e um olhar carente.
- Não mais do que eu – retrucou, porém, sendo sincera.
- Isso é verdade! – ironizou, fazendo-a dar um leve soco em seu ombro. Ela se achava chata e sem graça, mas não gostava de saber que alguém concordava - Estou brincando! – exclamou, fingindo massagear a área em que ela o acertara – Eu... Eu acho você incrível! Sério!
Lizzie parou com a falsa agressão e corou, assim como ele. Ela sorriu envergonhada e voltou a mexer no cabelo que insistia em incomodar. Sussurrou um “Obrigada” inaudível e não sabia o que falar naquela situação. Elogios a deixavam sem jeito, não tinha idéia de como lidar com eles; Ouvira poucos em toda a sua vida.
- O que você quer dizer com incrível? – perguntou por fim, realmente curiosa. Havia tomado como elogio pela positividade da palavra, mas não sabia exatamente o que ela poderia significar na cabeça dele.
- Bem... Você é doce, misteriosa, aparentemente frágil, mas tem determinação e garra. Não é mesquinha, nem superdotada... Gosta de informações novas e conversa sobre tudo, até mesmo quando não entendo do assunto. Eu reparei – sorriu – E... É li-linda. De uma forma diferente e exótica, que a gente vai percebendo conforme presta mais atenção – disse com uma voz calma e sem tirar os olhos da direção dos dela, que ouvia tudo com atenção.
- Er, obrigada – respondeu ainda mais corada, caindo os olhos para o chão sem conseguir mais encará-lo.  O verde daqueles olhos estava intenso, brilhante, penetrante. Alguma coisa em ficar o olhando a fazia estremecer, sentir uma pressão dentro de si, principalmente na região do baixo ventre. Não sabia o que era aquilo, até porque jamais sentira algo assim. Em toda sua infância e juventude Lizzie nunca tivera um contato como com outra pessoa da sua faixa etária, nunca havia se aproximado tanto de alguém ou criado afeto a não ser Fabrizzia, então como lidar com todas as aquelas novidades sem experiência?
As palavras de Zack foram digeridas devagar, e aos poucos ela foi se absorvendo os elogios, ficando radiante por dentro. Suas mãos suavam e ela não controlava um estranho sorriso de satisfação que ficava tentando brotar em seus lábios. Vendo a inquietação da menina, Zack abafou um riso.
- Você está bem, Lizzie?
- Er, si-sim... Ó-tima! – gaguejou. Os dois riram, e Zack imitou-a se sentando no chão da canoa, que agora balançava um pouco mais, fazendo-a involuntariamente agarrar as bordas, se segurando.
- Calma! Não vamos virar – exclamou ao ver o susto dela. Ela respirou fundo, sorrindo ao perceber que se exaltara demais – E se virarmos, eu te salvo – brincou.
- Porque? Já adivinhou que eu não sei nadar?
- Está bastante óbvio, né! – riu, e ela acompanhou novamente, se controlando.
- Tirando o medo, aqui é realmente um lugar relaxante – confessou, inspirando o ar com mais calma, sentindo aquele aroma de água fresca. A vista da margem do rio era belíssima, com todas aquelas árvores secas e o jardim. Zack assentiu orgulhoso – Então este é o plano? Relaxar tranqüilos em um outro lugar que não seja a casa do Martin? – perguntou sarcástica.
- Bem por aí mesmo...
- Hm, ta bom. Acho que posso fazer isso! – sussurrou,  apoiando as costas com mais conforto no assento da canoa e fechando os olhos. Sua idéia de relaxar era simplesmente curtir o ambiente de forma calma e cômoda, esquecendo-se de tudo em volta. Zack ficou observando-a pensativo, e de certa forma, sério. De repente então ele se inclinou em direção ao corpo de Lizzie à frente, usando os braços para se apoiar, deixando seu rosto extremamente perto do dela. Sentindo a respiração pesada do garoto sob sua face, ela abriu os olhos assustada, dando de cara com os olhos dele vidrados no dela.
- E eu acho que podemos fazer isso... – disse baixinho antes de beijá-la, levando seus lábios de leve até os dela.
Os lábios macios e quentes de Zack se moviam devagar, o que não foi muito difícil de acompanhar, até mesmo para Lizzie que jamais beijara. A principio ela não soube como reagir, não conseguiu pensar. Era como se todo o mundo parasse e seu coração simplesmente disparou em conformidade com sua respiração. Ela tremia, explodindo de nervosismo e diversos sentimentos da qual não poderia descrever, apenas sentir. Depois então que conseguiu sentir completamente o toque da boca de Zack é que ela pôde retribuir o gesto, um pouco perdida, mas depois foi como se não precisasse de nenhuma instrução; Seus lábios apenas se moviam com os dele, como uma dança envolvente que não pedia permissão. Era um beijo calmo, com um ritmo suave e envolvente.


Não era possível saber exatamente por quantos minutos eles ficaram ali se beijando. Pra Lizzie pareceram horas, mas ainda assim, insuficientes. Quando Zack afastou seus lábios, ela ainda ficou alguns segundos com os olhos fechados, respiração ofegante e pêlos do braço eriçados. Sentindo a falta do toque dele em sua boca, timidamente, ela foi abrindo os olhos, percebendo que ele continuava debruçado sobre ela também a olhando. Zack sorria e admirava-a em silêncio. Foram minutos um pouco constrangedores para os dois, que não sabiam o que falar ou como agir depois daquela situação. Lizzie sentia um turbilhão de emoções e sua cabeça girava, deixando-a por vezes tonta. O que tinha sido aquilo tudo?
O clima, instantaneamente, ficou mais frio. O céu rapidamente foi coberto por mais nuvens que se aproximavam do horizonte, e o sol fraco já quase não fazia menção de existir. Brisas demasiadamente gélidas cortavam o ar, deixando Lizzie ainda mais arrepiada. Só mesmo o corpo de Zack apoiado a alguns centímetros sobre o dela que conseguia esquentá-la um pouco.

- O que isso significa Zack? – perguntou num baixíssimo volume, quase um suspiro. Ela precisava entender o que aquele gesto queria dizer, saber que não tinha sido uma coisa à toa. Era importante para ela que seu primeiro beijo fosse significativo de alguma forma.

- Significa que temos uma conexão, uma química. Só eu senti isso? – franziu o cenho, inseguro.
Se ter uma conexão ou química com outra pessoa significava pensar nela, sentir falta dela mesmo depois de tê-la visto 5 minutos antes, ficar ansiosa pela sua chegada e animada com sua presença, então sim, ela podia concordar, pois era tudo o que ela vinha sentindo desde sabe-se lá quando. Aquelas sensações agora pareciam mais explicáveis, embora ela por algum motivo não quisesse confessar pra si mesma e para Zack que eles tinham aquela tão química. O motivo era óbvio: receio.
- E aonde isso nos leva?
- Eu não sei exatamente, mas pensar racionalmente nessas horas não faz parte das emoções que deveríamos sentir agora – respondeu. O hálito de erva cidreira quente de Zack tocava a pele da garota, fazendo a estremecer. Sua voz continuava baixa, rouca, sensual e seus lábios ainda muito próximos ao dela. Ela não podia fingir que não tinha vontade de novamente alcançá-los.
- E o que você sente agora, então? – insistiu, encarando-o nos olhos.
- Vontade de ficar exatamente aqui nesta canoa com você o tempo que for necessário para matar esse desejo de estar ao seu lado a todo o momento – respondeu enquanto beijava de leve o queixo de Lizzie. Ela virou os olhos e sua cabeça involuntariamente deitou-se um pouco mais para trás. Suspirou.
Zack tinha um jeito simples e eficaz de fazê-la sentir tranqüilidade, e contraditoriamente, eufórica. Com o mesmo toque suave, ele a beijou na boca novamente, mas daquela vez, o ritmo foi aumentando; Sua língua procurava à dela, e conforme a vontade ficava mais sediante, o beijo também era mais apressado e intenso. 
Os braços do garoto acabaram cedendo, e ele ficou totalmente debruçado sobre o corpo dela, agora mais estiado na canoa; Uma de suas mãos alisava o contorno do rosto de Lizzie, enquanto os dedos dela entrelaçavam no cabelo perto à nuca dele.

Eles certamente continuariam ali por longos minutos, ou horas, mas nem mesmo o sabor do beijo de Zack ou o calor que o mesmo causava em seu corpo foram capazes de conter seu medo quando a canoa começou a balançar com mais força. Obviamente o rio começara a ficar mais agitado em função dos ventos que começavam a intensificar, e em pouco tempo, a correnteza do rio também aumentaria. Deste modo, Lizzie despertou subitamente, abrindo os olhos num susto quando percebeu a movimentação da canoa; Suas mãos soltaram o coro cabeludo de Zack e agarraram a borda do objeto, enquanto ele por sua vez, não demonstrava o mesmo desespero e apenas afastou seus lábios dos da menina. Os olhos dela suplicavam para ser retirada dali, mesmo que todo aquele momento estivesse sendo mágico.
Zack observou sua volta, analisando como o tempo mudara em questão de segundos. Tudo bem, não era tão imprevisível que àquela hora o clima fechasse como sempre acontecia em Trenton, mas quando ele acordou naquela amanhã e viu o sol lutando para brilhar, teve esperanças de mudança e ignorou a realidade do clima local; Enganou-se, e agora precisava levá-los de volta ao cais e sair daquela área descoberta antes que começasse a chover, pois era o que as nuvens aparentemente avisavam.
- Vamos! Não quero que você fique com traumas – brincou.
Ele se ajoelhou com cuidado e começou a puxar com calma a corda que prendia a canoa. Lizzie respirou aliviada quando finalmente pisou com segurança na estrutura de madeira do cais, ainda que fazer isso significava parar com o que ela e Zack estavam fazendo minutos antes. Infelizmente, o medo que tinha falado mais alto, e de nada adiantaria continuar beijando o rapaz se isso resultasse depois num acidente ou numa morte de afogamento, como ela imaginava que poderia acontecer.
Mas nem mesmo o susto quando a canoa balançou com força e a despertou do beijo de Zack foi maior do que quando Lizzie, ao pisar no cais, “viu” Tito estagnado embaixo do arco ao fim da escada que subia para o jardim. Foi só naquele exato momento que ela percebeu que não sentia a presença da figura negra a dias, provavelmente, desde aquela manhã quando curou Lucy. Notar a presença de Tito novamente ali, justamente aquele dia, aquela hora, a deixou inquieta e insegura. Primeiro porque ele jamais havia se afastado da garota por tanto tempo, e segundo porque ele retornara logo numa hora tão especial e feliz para ela. Obviamente, Lizzie tomou aquilo como um tipo de pressagio, de aviso.  Não só bastava Tito estar ali de volta, mas ela ainda que relativamente de longe da figura dele, conseguia sentir uma energia renovada e pesada. Na mesma hora, temeu por Zack.  Olhou para o garoto que terminava de prender a canoa bem próxima a margem do cais e depois voltou a encarar Tito, ainda parado no fim da escada. Ela meio que se comunicava mentalmente com a sombra, suplicando para que não ali, não agora, alguma coisa ruim acontecesse, e ao mesmo tempo, ordenava para ele e a si própria que não deixaria nada acontecer. Era como se ela simplesmente tivesse certeza que a volta de Tito implicasse em alguma futura fatalidade, e obviamente, seria com a pessoa que ousava em se aproximar demais com a garota, assim como acontecera com Fabrizzia.
Quando Zack terminou de prender a corda e se virou para acompanhá-la até o caminho de volta, Lizzie se esforçou pra parecer tranqüila e não expressar nervosismo, que ficou ainda mais difícil de controlar quando ela viu Tito desaparecer do ponto em que ele estava parado quando os dois começaram a subir as escadas pra sair no jardim. Ela olhava a volta deles em busca da sombra, mas não via nada a não ser aquela bela paisagem ficando pra trás, assim como um inicio de tarde maravilhoso que só Tito poderia estragar no final.
Fizeram o percurso de volta em silêncio; Lizzie em estado de alerta e Zack cabisbaixo. De repente, quando chegavam perto do caminho das árvores secas, o rapaz parou de andar e segurou a mão dela, que também parou.
- Lizzie, eu quero que você saiba que isso foi realmente especial para mim – exclamou. Seus olhos verdes pareciam mais escuros devido à sombra das arvores. Ele não sorria, e na realidade, estava sério. Sem saber o que responder ou dizer em troca, Lizzie apenas assentiu e permaneceu calada, ainda espiando as costas de Zack – Eu não sei como aconteceu tão rápido, ainda mais pra mim, mas eu gosto de você – disse, e essas ultimas palavras deixaram Lizzie paralisada. Como uma garota comum que havia acabado de ter seu primeiro e fantástico beijo com um menino lindo da qual gostava, ouvir aquilo era exatamente o que se precisava para finalizar o encontro, mas ela não era uma garota comum. Da mesma forma que ouvi-lo dizer aquilo a deixou inconseqüentemente abobalhada, ela sentiu ainda mais receio porque teve vontade de dizer o mesmo, mas não podia. Não podia dar-se ao luxo de aproximar-se tanto de Zack e acabar o expondo a algum mal sobrenatural.
Zack olhou-a com interrogação como se esperasse alguma resposta, mas ela só conseguiu ficar estática e com os olhos marejados. Tinha vontade de beijá-lo de novo e dizer que tudo aquilo também tinha sido especial, mas precisou se conter. Ele ainda analisou a expressão perdida e silenciosa dela antes de soltar sua mão e voltar a caminhar em passos curtos.


Zack precisou alterar todo seu plano para aquele dia em função do súbito mal tempo, e em vez de levar Lizzie para comer o saboroso cachorro-quente do WaterFront Park como planejara, ele sugeriu voltar ali no fim de semana para recompensar. Ela bem que gostaria de passar mais tempo com ele, mas sua aflição continuava e a idéia de voltar pra casa não era tão ruim no fim das contas. Foi realmente uma pena como tudo pareceu conspirar contra o passeio dos dois, e mesmo Lizzie acostumada com azar, era revoltante! Principalmente dada às atuais circunstâncias.
Diferente de como Zack dirigiu para chegar a WaterFront Park, na volta ele acelerou fundo,  fazendo as curvas com agilidade; Seu olhar vidrado no asfalto das ruas e nenhum papo foi iniciado durante o caminho e nem mesmo o rádio ele chegou a ligar.
Lizzie fechou o vidro da janela quando percebeu que pequenas gotas começavam a cair, e por sorte, chegaram na Chambeer’s Street antes da chuva se intensificar.
Quando Zack estacionou o carro em frente à calçada da casa de Martin, Lizzie ainda continuou sentada pensando em algo para dizer a fim de acabar com aquele clima estranho que havia se instalado desde que haviam deixado a canoa; Não por culpa dele, mas dela. No entanto, quando ela olhou para fora do carro e viu Summer parada na varanda da casa de braços cruzados e uma expressão de desaprovação pronta para se aproximar, ela engoliu a seco.  Ainda olhou com interrogação para Zack, que apenas bufou.

- O que você quer Summer? – berrou abaixando o vidro da sua janela. A loira andou até eles, contornou o carro e se debruçou, observando o interior do carro e ignorando Lizzie completamente.
- Surgiu um problema – respondeu séria, encarando-o. Os dois estabilizaram um tipo de conversa só com o olhar impossível de Lizzie decifrar. Era como se ele entendesse imediatamente sobre o que ela estava falando.
- Eu já vou – sussurrou. Summer revirou os olhos e se afastou da porta.
- Mas vai mesmo porque ta começando a chover e eu não quero me molhar! – retrucou, se apoiando no carro dando as costas para eles. Zack respirou fundo e se virou para Lizzie, que ainda observava tudo sem entender. Ele chegou a gaguejar algumas palavras antes de escolher as que disse por fim.
- Eu preciso ir... Mas eu volto e a gente conversa, ok? – sua voz saiu baixa, tímida. Lizzie franziu o cenho e só conseguiu assentir. Zack se inclinou e estalou um beijo na bochecha da garota, que um pouco atrapalhada, saiu do carro e deu espaço para que Summer se sentasse com pressa em seu lugar.
Lizzie ficou parada na calçada vendo Zack dar partida no carro e se despedindo com um olhar constrangido até depois o veículo sumir ao virar no fim da rua. A chuva enfim apertou molhando o belo vestido que usava e fazendo-o colar em seu corpo, mas ela não correu. Cruzou o jardim de entrada, subiu as escadas da varandinha e sentou na rede. Ficou se balançando por longos minutos, repassando em sua mente tudo que havia acontecido naquele dia até aquele momento, enquanto ouvia o barulho da chuva e sentia o cheiro de terra molhada.