#AUTORA                       

capitulo6

“Somos irmãos” ele disse, e Lizzie não sabia se só não acreditava porque não parecia ou se recusava a acreditar porque estava convicta de existia algo mais entre os dois. A questão é que por mais que ela tentasse digerir as palavras de Zack, ela não conseguia. Ficou por algum tempo calada olhando insistentemente como se buscasse outra explicação nos olhos verdes do rapaz, mas Zack mantinha sua postura firme e sua expressão séria. O modo como ele a fitava parecia dizer “Toma sua idiota!” e Lizzie engolia a saliva com mais dificuldade que o normal, possivelmente porque a vergonha apertava-lhe a garganta.
- Isso é verdade? – insistiu com uma voz tímida. Zack revirou os olhos.
- Atualmente, minha mãe é mulher do pai da Summer – explicou.
- Hm. Então vocês não são irmãos de sangue e sim de criação...
- E já está de bom tamanho – disse com vontade, e a forma como pareceu desdenhar de Summer deixou Lizzie contente por dentro. No entanto, a menina estava visivelmente constrangida pela cena que havia feito. Tinha de fato estragado todo um momento especial por algo que podia ter adiado, e se arrependia ainda mais de não ter feito isso agora que Zack lhe respondera.
- Sinto muito por essa situação chata... – sussurrou cabisbaixa. Lizzie desejou que o rapaz na hora voltasse a olhá-la carinhosamente, mas isso não aconteceu. Era obvio que ele estava chateado, e depois do comportamento dela, Lizzie não podia reclamar que Zack ficasse aborrecido; Deste modo, ele apenas assentiu e começou a repor sua roupa em silêncio. Lizzie fez o mesmo, sempre o espiando na esperança de pegá-lo olhando pra ela.
Zack fez questão de sair primeiro da canoa quando terminou de se vestir e fez o caminho entre o cais e o jardim do WaterFront Park sem nem mesmo olhar pra trás. Só quando chegaram perto das arvores que os separavam do Riverview Plaza que o rapaz se preocupou em ver se Lizzie o acompanhava de perto, e ao perceber que sim, prosseguiu caminhando em passos apressados até seu carro estacionado numa das vagas em frente ao estádio de Baseball. Entrou no carro e já foi ligando o mesmo, e assim que Lizzie se sentou no banco do carona, Zack deu partida e arrancou com o veículo mantendo alta velocidade por todo o percurso em direção à casa de Martin. Em poucos minutos Lizzie se viu distanciar daquele que tinha sido o lugar mais belo e significativo de sua vida até ali e estava de volta a casa que tentara abandonar na noite anterior, e agora que voltava, ela se pegava pensando em como seria estranho entrar lá e ter que encarar Lucy novamente, sem falar no que a mesma teria dito à Martin a respeito de sua “fuga” repentina. Em algumas horas, Lizzie tinha vivido uma noite de amor, passado por um começo de uma manhã confusa e já imaginava que estava prestes a ter um início de tarde irritante.
Zack parou o carro e rodou a chave desligando o mesmo. Ele permaneceu em um silêncio perturbador, que começava a deixar Lizzie irritada, pois por mais que ela tivesse se comportado desnecessariamente mal, não havia sido um grande motivo para tal indiferença... A não ser claro, que houvesse ‘algo mais’ que Zack se recusava dizer.
- Você está muito chateado comigo? – perguntou enfim.
- Você é inteligente o suficiente pra notar que sim, eu acho – respondeu num tom ignorante que fez Lizzie sentir-se incomodada imediatamente.
- Ei! Não precisa falar assim comigo! – exclamou, encarando-o brava. Zack não olhava-a diretamente nos olhos, e sua expressão parecia dispersa – Porque você ficou tão irritado só por eu ter perguntado sobre a Summer? Não foi nenhuma pergunta absurda! Você não deveria ficar assim ainda mais por ela ser sua meia irmã.
- Não Lizzie, é exatamente por isso que eu fico assim! Você não entende...
- É, eu não entendo, mas você poderia me explicar. Explicar-me direito!
Zack abriu a boca na intenção de falar alguma coisa, mas voltou a fechá-la. Ele respirou fundo e suas mãos ainda seguravam o volante com força.
- Eu queria me abrir com você Lizzie, queria mesmo... Mas, eu não sei, não consigo falar sobre isso. Por mais que eu me sinta confortável contigo e queira me expressar com alguém, simplesmente não dá... – sua voz saiu fraca, mas Lizzie notou um sinal de desespero e sinceridade nela com tanta clareza como no olhar dele, traumatizado e vidrado em algum ponto invisível do horizonte por trás da janela do carro.
- Você pode se abrir comigo... – disse. Lizzie levou a mão até o ombro de Zack num gesto de compreensão, mas ao fazer isso, ele virou subitamente para fitá-la e desta vez, seu olhar era de interrogação.
- Porque eu faria isso contigo se você não faz isso comigo? – perguntou com o cenho franzido. Lizzie recuou sua mão imediatamente, recostando-se na poltrona numa atitude defensiva. A menina ficou sem ação e sem saber o que responder, pois não havia qualquer resposta decente para dar. Ela estava cobrando sinceridade de Zack, mas esqueceu-se de que ela mesma não estava sendo totalmente sincera. Sentiu vergonha pela hipocrisia e conseguiu entender o que o rapaz sentia na situação que ele se encontrava independente do que ele escondia; Ela sabia o que era ter vivido algo traumático e não conseguir compartilhar um segredo. Lizzie, talvez mais do que qualquer outra pessoa que conhecera, sabia mais como era isso e estava sendo dura injustamente com Zack.
Lizzie mordeu o lábio e seus olhos caíram. Não conseguia mais encará-lo. Ela queria contar a verdade, dividir sua tormenta com ele, mas tinha medo e receio; Sem falar na grande possibilidade de ele não acreditar e achá-la louca! Entre todos os motivos prós e contras de contar a verdade para Zack, Lizzie via naquilo a oportunidade de saber até onde e como o garoto gostava dela. E supondo que ele acreditasse nela, sua ajuda será importante e crucial!
- Ok... - Lizzie inspirou fundo, fechou os olhos e se preparou para começar a falar – Eu vim a Trenton procurar esse Raul porque eu sou acompanhada por um tipo de som...
De repente, alguém bateu na janela de Lizzie, interrompendo-a. Os dois viraram-se para olhar quem era, e se depararam com a vizinha – uma senhora de uns sessentas anos viciada em bingo que era muito temperamental – aparentemente abalada. Lizzie abaixou a janela e a mulher começou a falar histérica.
- Graças a Deus vocês chegaram! E aí, como eles ficaram? – perguntou. A mulher tinha hálito de alguma bebida alcoólica.
Lizzie  e Zack ficaram sem entender sobre o que a outra falava, e a idéia de que a mesma estava bêbada os confundindo com outra pessoa passou pela cabeça de Lizzie na hora.
- Ahn? Eles quem? Não entendi Sra. Hanck – disse Lizzie, arqueando a sobrancelha.
- Martin e Lucy! Vocês não estavam com eles no hospital?
Lizzie foi golpeada imediatamente por um surto de preocupação. Seus olhos arregalaram-se, e tanto ela quando Zack começaram a perguntar e falar várias coisas de uma forma demasiadamente agitada e impossível de compreender sem uma gravação em câmera lenta.
- Essa madrugada a polícia e os paramédicos pararam aqui e levaram os dois! Eu não sei direito o que aconteceu, na verdade, ninguém sabe – a mulher analisou os dois e interior do carro com uma expressão de desconfiança – Se vocês não estavam com eles, o que faziam?
Ambos ignoraram completamente a indelicada pergunta da vizinha, pois nada mais lhes perturbava a mente do que o que teria acontecido com Martin e Lucy.
- Você não soube de absolutamente nada? – Zack perguntou num tom imperativo, como se ordenasse à mulher a dizer qualquer pequena informação.
- Eu só vi Lucy ser carregada numa maca e Martin ser levado pelos policiais. Ele parecia muito perturbado! Foi uma cena muito estranha...
Zack e Lizzie se entreolharam assustados; A menina se despediu da mulher e ele ligou imediatamente o carro, pisando fundo no acelerador. Zack virou à direita na esquina, em direção ao Hospital St. Martins onde provavelmente teriam levado Lucy já que era bem perto, e como Trenton só tinha uma delegacia, aquele seria o próximo destino para ver Martin.
Lizzie entrou primeiro no hospital praticamente correndo até a bancada da recepção onde uma mulher de idade avançada escrevia algo num computador. A menina sabia que não seria autorizada a visitar Lucy imediatamente por não ser da família, então tentaria ao menos retirar alguma informação da recepcionista.
- Boa tarde. Eu gostaria de me informar a respeito de uma paciente – disse ao se aproximar da bancada. Zack chegou logo atrás.
- Qual o nome da pessoa? – perguntou levantando os pequenos olhos por trás dos óculos redondos, avaliando o rosto jovem de Lizzie com a sobrancelha arqueada.
- Lucy Bennett – Zack respondeu antes que Lizzie o fizesse, receando que a menina não soubesse o sobrenome de Lucy. E ele estava certo.
A recepcionista digitou algumas coisas no computador e segundos depois voltou a fitar os dois jovens a sua frente.
- Vocês são parentes? – questionou.
- Não, mas eu moro com ela!
- E eu sou amigo da família e trabalho com o pai dela!
- Bem, eu sinto muito, mas só podemos passar informações para membros da família.
Zack e Lizzie se entreolharam desanimados e depois voltaram a encarar a recepcionista com o olhar mais suplicante que conseguiam fazer.
- Por favor! Não estamos pedindo para vê-la, só pra nos dizer se ela está bem! – Zack suplicou ainda mantendo a voz firme.
- Me desculpem, mas são as regras do hospital! – disse a mulher sem comoção. Lizzie mordeu o lábio e Zack coçou a cabeça, ambos certos de que aquela recepcionista não iria mesmo ajudá-los. Quando fizeram menção de dar meia volta pra sair e procurar por Martin, Lizzie lembrou-se de algo a qual esquecera há tempos e que finalmente seria bem utilizado.
Lizzie girou novamente sob os pés e voltou a encarar a recepcionista, mas desta vez seus olhos estavam fixados no rosto da mesma. Zack ficou observando o gesto da menina sem entender e resmungou para que eles fossem embora dali logo, mas Lizzie permaneceu imóvel de frente à mulher. A garota apertou os punhos e cerrou os olhos, tentando não ouvir nada em sua volta e excluir qualquer pensamento de sua cabeça que não tivesse relação com sua tentativa de invadir a mente da recepcionista.
Aquilo de “manipular” a mente das pessoas nunca fora anteriormente mais fácil do que o processo de cura para Lizzie, mas talvez porque das vezes que a menina explorara a segunda habilidade tinha sido em casos simples de ferimentos não muito graves, diferente de quando tentou manipular a mente de alguém por interesses pessoais - como quando tinha 14 anos e tentou fazer um casal adotá-la porque eram rockeiros descolados. Infelizmente, Lizzie não teve a chance de ficar frente a frente com eles tempo o suficiente para estabelecer uma conexão.
No entanto, naquele momento na recepção, o hospital estava tranqüilo e pouco movimentado, a mulher parecia concentrada na tela do computador e só Zack estava ao seu lado, mas sua voz ao fundo já distorcida não lhe tirava a atenção.
De repente, de um segundo para o outro, Lizzie passou a ouvir dentro de sua cabeça a voz da recepcionista falando alguma coisa que parecia fofoca sobre alguma celebridade - certamente o que a mesma estava lendo naquele momento em algum site. Lizzie podia escutar perfeitamente a mulher falando mesmo que ela não mexesse o lábio. Naquele momento, Lizzie também começou a pensar, conciliando a voz da mulher em sua cabeça com os seus pensamentos; Estes desejavam que ela ajudasse os jovens a frente dando-lhe as informações que pediam e até mesmo, autorizá-los a ver a paciente Lucy Bennett. Lizzie fez isso repetidamente e mal notou que os minutos passavam mais rápidos do que sentia. A imagem captada por seus olhos estava embaçada e era um pleno
plano de fundo para as vozes em sua mente que falavam num volume alto que somente ela escutava.
Lizzie não sabia ao certo quando devia parar de fazer aquilo que estava fazendo, e nem mesmo sabia como faria isso, pois o que havia estabelecido com a mulher era mais do que uma conexão mental; Era como se Lizzie estivesse sonhando ou vendo um filme passar dentro de sua cabeça, e ela fosse apenas uma espectadora imóvel fazendo um comentário a respeito.  Por sorte, Zack finalmente começou a tentar arrastar Lizzie pelo braço, e a atitude do rapaz meio que despertou a menina e fez com que a voz da recepcionista parasse de ecoar em sua mente. Sua visão começou a se normalizar e em alguns segundos Lizzie retomou a total consciência da realidade.
- O que você tem? – Zack sussurrava repetidamente perto de seu ouvido, ainda tentando puxá-la pelo braço em direção a porta de saída.

Quando se aproximaram da porta, a recepcionista se levantou um pouco, aproximando-se da bancada. “Psiu!” – sua voz saiu baixa, mas foi suficiente para os dois ouvir e se virarem.
Ela fez um movimento com a mão chamando-os pra perto e eles obedeceram. Lizzie ainda estabilizava seus sentidos e se esforçava pra parecer que estava completamente normal.
- Olha, eu não deveria estar fazendo isso, mas vou ajudar vocês – a mulher começou a falar num volume baixo, até voltar a se sentar na cadeira e digitar algo no computador para então continuar – A paciente Lucy Bennett faleceu nesta madrugada após tentativas de reanimações por parte dos médicos. 
A noticia atingiu-os dois de forma intensa e inesperada. Zack ficou imediatamente boquiaberto balançando a cabeça negativamente enquanto Lizzie levou a mão a boca também incrédula e surpresa. Não era algo realmente inesperado por parte de Lizzie, que vinha notando comportamento e aparências estranhas de Lucy, mas saber que aquilo de fato tinha acontecido a assustava e comovia independente dos recentes acontecimentos irritantes com a outra.
- Mas o que houve com ela? O que ela teve? – Lizzie perguntou com a voz trêmula. Ela sabia que a manipulação havia dado certo e não resistiu em continuar se aproveitando disso.
- Não há um laudo ainda no cadastro que eu tenho aqui. Só diz que ela já chegou morta no hospital e sem motivo aparente. Ela não sofreu acidente, não foi assassinada, atacada e não teve nenhum ataque cardíaco ou algo parecido. Em breve farão a necropsia, e quem sabe assim descobriam o que realmente houve! – explicou.
Zack permanecia em silêncio e com uma expressão chocada, enquanto Lizzie estremecia sendo  bombardeada pela idéia de que ela, indiretamente, pudesse ser culpada pela morte de Lucy.  Saber que nenhum motivo “humano” causou a morte da mulher só aumentava a sutil suspeita de que aquilo também fosse resposta do processo de cura mal desenvolvido.
Confusos, Lizzie e Zack agradeceram a ajuda da recepcionista e deixaram o hospital, voltando para o interior do carro. Seus olhos estavam perdidos, e nenhuma palavra foi pronunciada em voz alta por vários minutos. Estavam os dois pensativos, Zack no banco do motorista e Lizzie no carona, com o carro ainda estacionado.
- É tão estranho pensar... Sabe? A Lucy está morta... – Zack sussurrou com o olhar marejado  como se estivesse falando com si próprio e não com a garota ao lado. Lizzie, de certa forma, estava acostumada com a morte ou a chance de ela acontecer, mas a morte de Lucy era um novo baque em sua consciência. Ela não saberia dizer precisamente o que estava sentindo; Se era tristeza, pena, raiva, culpa... Não era uma morte que a comovia tanto como foi com Fabrizzia, mas mexia mais com a sua cabeça e coração do que a morte de sua mãe.
- O que será que aconteceu? – se perguntou em voz alta. Essa sim era uma pergunta que não saía da cabeça de Lizzie, a perturbando mais até do que o atual “estado” de Lucy.
- Só uma pessoa agora pode dizer... E eu acho que não teremos a mesma sorte que estranhamente tivemos com a recepcionista. Acredito que não vão nos deixar falar com Martin na delegacia hoje ou passar alguma informação! – Zack respondeu com o cenho franzido. Por um segundo ele pensou sobre a mudança de atitude da recepcionista, mas a noticia sobre a morte de Lucy e a vontade de correr até Martin saber o que acontecera falavam maior em sua cabeça. Lizzie, no entanto sabia o motivo do porque a mulher ter ajudado e imaginou que poderia fazer o mesmo na delegacia, mas acreditou que não seria capaz de efetuar a manipulação com a mesma eficácia. A situação era mais complicada.
- O que faremos agora então? – perguntou, virando-se pela primeira vez pra fitar Zack. Ele não o fez o mesmo, e continuou absorto olhando para sua frente, mas suas mãos correram até a chave na ignição e depois ao volante.
- Vamos pra casa e amanhã tentamos falar com Martin – respondeu, pisando no acelerador.
Lizzie se perguntou mentalmente a qual casa ele estaria se referindo, mesmo sabendo no fundo que só poderia ser a de Martin, pois era a única que ela conhecia. E quando ela viu o garoto entrar na Chambeer’s Street e estacionar em frente à casa vitoriana de tom barroso com três andares, ela viu que tinha suspeito certo.
Quando Zack desligou o carro em vez de apenas frear e deixá-la sair, Lizzie teve uma pequena esperança de que o rapaz entrasse com ela. Tudo bem que a morte de Lucy os perturbava (principalmente Zack), mas seria melhor passar por aquele momento ao lado dele do que sozinha naquela casa que agora recaia tristeza e dor.
- Você vem? – Lizzie tomou coragem e perguntou. Seus olhos suplicavam uma resposta positiva, e ela os mirava bem em direção aos dele. Ele pensou em silêncio por alguns segundos até assentir com a cabeça para então puxar o freio de mão e ambos saírem do carro em direção ao interior da casa.
  Ao abrir a porta com a chave reserva escondida embaixo de um vaso de plantas da varanda, Lizzie deu de cara com um ambiente desconhecido; A sala parecia ter sido palco de uma guerra civil! Tudo estava revirado e ou quebrado, desde a mesa de centro que agora estava perto da escada aos travesseiros do sofá jogados ao chão.  Naquele momento, a preocupação de Lizzie aumentou, pois ela não conseguia imaginar o que de tão estrondoso teria acontecido naquela madrugada para deixar a casa de tal forma – e a sala não foi a única afetada! A cozinha também estava completamente bagunçada.  Mas, de tudo que transformava o ambiente num total desastre, nenhum detalhe chamava mais a atenção do que uma enorme mancha de sangue concentrada em grande parte no tapete da sala e que se arrastava da beira do sofá até a porta de frente da casa. Zack também observou o lugar com os olhos arregalados e a boca aberta; Ele ainda suspirou alguma coisa bem baixo que ela não conseguiu ouvir direito, provavelmente, alguma palavra de perplexidade.
- Não consigo parar de pensar no Martin e no que pôde ter acontecido aqui... O que vamos fazer até conseguir falar com ele, e o que vamos fazer depois? – Lizzie começou a se questionar enquanto eles atravessavam os “obstáculos” jogados pela sala. Obviamente eles não se sentariam naquele sofá ou em qualquer outro lugar ali embaixo. Lizzie na verdade estava bastante surpresa em não ver a policia fazendo alguma perícia na casa, ou ao menos, ter isolado-la. Sem muita opção do que fazer, a menina não via outra opção se não subir para seu quarto no terceiro andar onde poderia ao menos se sentar pra conversar ou pensar melhor.
- Também estou meio perdido. Isso tudo é muito estranho! – Zack a seguia subindo as escadas – Não vejo à hora de falar com Baby, mas até lá não adianta ficarmos afobados. Não podemos fazer nada...
- Eu estou bastante absorta. Com a Lucy morta e o Martin nessa situação eu não sei como eu ficarei. Não quero que isso pareça egoísta ok, mas é que eu estava aqui morando com eles de favor e agora... Agora não sei o que vai acontecer comigo. Envolvi-me demais com outras coisas nesse tempo todo que fiquei aqui e acabei me esquecendo de terminar de fazer o que eu vim fazer aqui em Trenton... – Lizzie finalmente parara pra pensar sobre tais coisas que lhe poderiam ser de fato um problema, e ela começava a se desesperar ainda mais por dentro. Zack ouvia em silêncio também sem saber o que dizer – Não vou poder continuar aqui depois disso tudo, ainda mais sozinha... E não tenho pra onde ir! Estou ferrada – mordeu os lábios.
Quando chegaram ao quarto do terceiro andar, Lizzie se jogou na cama onde ficou observando o teto e Zack sentou-se na beira da cama onde permaneceu calado apenas olhando pra parede à sua frente.  A tarde ficara nublada, e com o sol escondido, o quarto se tornava mais escuro do que deveria ser naquela hora do dia. A luz fraca da lâmpada não iluminava o ambiente com muita eficiência, e pela janela aberta só entrava uma brisa gélida que fazia Lizzie desejar um casaco.
- Acho que vou tomar um banho. Incomoda-se? – Zack perguntou depois de ficarem alguns minutos submersos sob um profundo silêncio.  
- Tudo bem, vai lá. Acho que vou depois de você.
Zack então saiu do quarto e desceu as escadas até o segundo andar onde ficava o banheiro. Entrar nele o incomodou um pouco ao imaginar que aquele era o banheiro de Lucy, e ele se perguntou mentalmente se ela teria o usado antes de sua morte. Era uma grande besteira pra se pensar, mas esse tipo de pensamento é inevitável numa hora como aquela. Antes de tirar a roupa e cair embaixo da ducha potente que jorrava uma água quente relaxante que de tão que era quase o fez esquecer de todo o caos daquele dia, Zack agradeceu por ali não estar bagunçado ou sujo de sangue como no primeiro andar.
O rapaz não fez questão de se apressar em ensaboar-se ou lavar os cabelos, então ficou apenas embaixo da água com os olhos fechados deixando-a cair em seu corpo nu. No entanto, seu momento de “paz” foi subitamente interrompido  por um barulho na porta, como se alguém a abrisse lentamente. Zack instantaneamente abriu os olhos e ficou num estado misto de espera e alerta. “Tem alguém aí? É você Lizzie?” – perguntou com a voz trémula.
Assim que terminou a pergunta, uma mão puxou a cortina de proteção do box abrindo-a e revelando quem entrara no banheiro e o espiava: Lizzie. A menina estava ali completamente nua com o outro braço no quadril, olhando Zack com um sorriso sacana. O menino suspirou aliviado e abafou um riso ao vê-la daquela forma.
- O que é isso? – riu. Lizzie analisava-o de cima abaixo com um olhar malicioso e nem um pouco envergonhada de expor seu corpo jovem e pálido para Zack.
- Considerando tudo o que aconteceu, eu estava pensando que deveríamos relaxar juntos embaixo dessa ducha pra aliviar a tensão, não concorda? – finalizou a frase abaixando os olhos em direção ao baixo ventre do garoto que já denunciava uma reação positiva. Lizzie deu uma risada e Zack corou. Qual tipo de problema deixaria um homem incapaz de se sentir excitado?
- Não acha que seria meio indelicado dado as atuais circunstâncias? – gaguejou quando Lizzie entrou no box e aproximou-se dele, deixando sua pele frágil e relativamente quente tocar no corpo molhado dele.
- Você mesmo disse que a gente não pode fazer nada, então... Vamos esquecer tudo isso por alguns minutos. O que a gente vai fazer ou deixar de fazer agora não faz diferença mesmo – respondeu antes de levar uma das mãos até a nuca de Zack, puxando-o para beijá-lo com vontade e sem rodeios, não dando oportunidade para o mesmo responder ou tomar qualquer atitude; Sua outra mão alisava-o do peito ao abdômen, arranhando-o de leve.
Zack se quer estranhou o recente comportamento desinibido de Lizzie ou a forma experiente como ela se portava entre as caricias, pois além de não conseguir resistir aos toques e beijos da garota, nada mais lhe passava na cabeça se não a vontade de tomá-la por completo.
Os lábios de Lizzie tinham força e sua língua procurava famintas as de Zack; E a região sexual da garota não estava molhada somente pela água que descia do chuveiro e os banhava de forma que não continha o fogo que ardia entre o corpo dos dois. O membro ereto de Zack – por vezes manipulado pela mão inquieta de Lizzie – latejava em função do desejo de penetrá-la, e algumas vezes a garota brincou envolvendo uma das pernas no quadril de Zack para ameaçar “colocá-lo lá”.
Entre o beijo ardente, Lizzie gemeu baixo quando o rapaz levou os dedos até seu clitóris, massageando-o. Aquela região em particular estava ainda mais quente, e o termo não se aplicava só metaforicamente, mas sim literalmente. A água do chuveiro certamente não causava aquele tipo de reação, e nem mesmo o tesão que a menina provavelmente sentia seria a culpada pela intensa temperatura em sua genitália. Era como encostar-se a uma pequena chama, quase queimando a ponta dos dedos de Zack. Então foi naquele momento que o garoto, preocupado, despertou daquele transe sexual e tentou dizer alguma coisa entre os lábios de Lizzie que insistiam em continuar beijando-o. Vendo que ela não parava com as caricias, Zack precisou ser um pouco mais rígido e tentou com mais força afastar o rosto e segurar os pulsos de Lizzie até fazê-la abrir os olhos e finalmente aquietar-se.
- Você está bem? Sua... Sua... Ela está absurdamente quente – exclamou desajeitado olhando para a vagina da garota. Ela mordeu os lábios e o encarou com um sorriso ainda malicioso.
- Deve ser porque eu estou queimando de prazer e tesão – sussurrou aproximando a boca perto do ouvido do garoto, que por uns segundos cedeu novamente e revirou os olhos ao sentir a respiração também quente e abafada de Lizzie bater em sua pele, eriçando seu pêlos. Tentando se conter, Zack voltou a manter força pra segura-la e fitou-a.
- Você está estranha... Não sei, você não é assim – indagou, olhando-a diretamente nos olhos, que estavam num tom acinzentado bem mais claro e pupilas mais finas que o normal.
- E assim é ruim? Você não está gostado? – franziu o cenho e perguntou fazendo bico. Ele ainda gaguejou tentando responder, mas Lizzie foi mais rápida e puxou os pulsos com uma expressão irritada – Se vai ficar reclamando, eu vou sair. Divirta-se sozinho! – exclamou dando um leve peteleco no pênis ainda ereto de Zack antes de deixar o chuveiro e sair do banheiro sem toalha. Mesmo o gesto tendo sido de certo modo fraco, o peteleco fez o garoto se contorcer de susto e dor, levando as mãos ao membro e xingando um palavrão involuntariamente.
No mesmo minuto que  Zack se agachou para cobrir a região ‘atacada’, Lizzie voltou a aparecer na porta aberta do banheiro, mas daquela vez, ela estava completamente seca e usando a mesma roupa que usara quando tinham chegado na casa aquela tarde.  A aparência cansada, as roupas sujas e suadas e o cabelo sem nenhum sinal de água não deixavam nenhuma dúvida: Lizzie não tinha tomado banho algum. Então como ela estava ali com ele a milésimos atrás? Era o que Zack se perguntou imediatamente numa fração de segundos enquanto a olhava assustado e sem entender absolutamente nada.

- Mas... Mas... Como você fez isso? – gaguejou. Lizzie que ao chegar à porta fez menção de falar alguma coisa, retribuiu a expressão desorientada de Zack, pois ela realmente não sabia do que o garoto falava.
- Isso o quê?
- Você não está nua nem molhada... – Lizzie arregalou os olhos com interrogação.
- Er, não, não estou.  Porque eu estaria?
Zack ficava a cada novo segundo mais confuso que no anterior. Ele tinha certeza que era Lizzie a pessoa que compartilhara o chuveiro com ele, mas era definitivamente impossível ela ter se secado por completo e vestido uma roupa em poucos milésimos. Então se não podia ser ela – e ele agora via que não era – quem era? Ou, o quê era?
- Você está bem? – Lizzie perguntou preocupada ao notar que Zack começava a ficar pálido, bambeando embaixo da água que continuava a jorrar do chuveiro. Ele até poderia cogitar a idéia de que tinha visto uma alucinação pelo recente nervosismo, ou talvez que tudo tivera sido algo da cabeça dele... Mas ele tocou nela, beijou-a e ela fez o mesmo nele. Não tinha como aquilo não ter sido real! Aquela situação deixava-o constrangido e extremamente assustado.
- Eu... Eu não consigo explicar... Não tem como ex-explicar – as palavras saíam inconscientes de sua boca. Zack continuava absorto olhando Lizzie com indignação, relembrando do que acontecera há minutos atrás. No fundo ele sentira que aquela pessoa nada tinha a ver com a Lizzie que conhecia, mas ignorara não só o que sabia como também o pressentimento de que alguma coisa estava errada, e fizera isso em função de um desejo carnal.
Lizzie também começava a ficar confusa, não compreendendo nada o comportamento estranho de Zack, mas percebendo a expressão do garoto, logo pensou que alguma coisa bizarra acontecera.
- Eu só vim trazer uma toalha pra você – disse erguendo-a em direção ao garoto, que demorou pra pegar por que ficou mais um tempo olhando Lizzie pra ter certeza se daquela vez era verdade. De fato, aquela parecia a verdadeira Lizzie com o rosto angelical, a expressão misteriosa e frágil de sempre e os olhos azuis acinzentados de sempre.
- Ah, ok... O-obrigado – respondeu enfim, passando o braço pra fora do box e puxando a toalha da mão de Lizzie. Ela desenhou um sorriso desanimado e saiu do banheiro.
Quando Zack notou que estava novamente sozinho naquele banheiro escuro, sentiu calafrios. Ele fitava a porta como se a qualquer momento a Lizzie falsa ou alguma outra coisa bizarra pudesse voltar, e deste modo, desistiu do banho. Fechou o chuveiro com pressa, se enrolou na toalha e retornou ao quarto no terceiro andar onde Lizzie voltara a deitar na cama. Zack entrou e fechou a porta como se tivesse acabado de fugir de alguém, e mesmo tendo muita vontade de contar a Lizzie o fato esquisito ocorrido, ele segurou e se limitou a se secar pra não pingar mais o chão do quarto.
Vendo-o novamente estranho, Lizzie sentou na beira da cama e ficou fitando-o com o cenho franzido, imaginando o que poderia ter deixado-o daquele jeito. Também pensou em perguntar, mas permaneceu calada só o analisando, e com isso, ficaram os dois em completo silêncio por todos os minutos que se levaram para Zack terminar de se secar. Com a pressa que teve pra sair do banheiro, ele acabou esquecendo sua roupa por lá e ao lembrar-se disso, xingou mentalmente.  Por sorte, Lizzie se levantou e anunciou que seria a vez dela tomar banho e que ao voltar pegaria a roupa dele. Sendo assim, Zack assentiu com a cabeça e ocupou o lugar dela na cama, deitando-se. Receio ficar sozinho de novo, ainda mais porque o quarto tinha uma atmosfera ainda mais densa com aquele papel de parede verde musgo, os móveis velhos de madeira e a pouca luminosidade por conta da lâmpada fraca e a noite que começava a tomar conta do céu lá fora.
Tentando fugir do mundo real, Zack acomodou-se melhor na cama, cobriu suas partes íntimas com o lençol e fechou os olhos para dormir, o que demorou algum tempo já que as cenas do momento do banheiro continuavam o perturbando.
Seu cochilo, porém, não durou muito. Como se tivesse acabado de cair no sono, Zack despertou subitamente quando Lizzie jogou suas roupas na cama. A garota voltara já vestida do banho e com o cabelo penteado.
- Foi mal, eu não percebi que você estava dormindo – disse Lizzie quando viu o garoto abrir os olhos num susto ao sentir as roupas bateram em suas pernas. Zack esfregou os olhos e cambaleando, vestiu-se – Lizzie fez questão de ficar de costas para o garoto quando ele se levantou, exibindo o corpo atlético desnudo antes coberto pelo lençol. Não que ela não o achasse fabuloso ou gostasse de ver, mas fora um ato involuntário de respeito que normalmente acontece numa situação inversa.
- E agora, o que vamos fazer? – perguntou inquieta. Lizzie sentia-se completamente perdida, desanimada e entediada. Não sabia como se portar na situação em que se encontrava, e cada vez que parava pra pensar em como sua vida ficaria dali em diante sem a presença da Lucy e Martin, ela ficava ainda mais confusa – Acho que eu devia voltar a procurar o Raul... –pensou alto.
- Se é ele quem ia te ajudar desde o principio, acho que é o que devias fazer mesmo – disse sonolento. Lizzie assentiu pensativa.
De repente, seu momento de reflexão foi desviado por uma seqüência de barulhos que vinham de um dos andares abaixo, provavelmente do primeiro; Era um barulho similar ao som do impacto de um prato de vidro ao cair no chão repetidamente.
Zack foi o primeiro a arregalar os olhos e olhar Lizzie com interrogação, já se preparando para descer correndo e ver o que acontecida mesmo que um certo medo o tomasse por dentro naturalmente. Já Lizzie teve a reação instantânea de procurar por Tito ao seu redor, e foi aí que os barulhos passaram a incomodá-la de verdade: ele não estava ali.
Com a insistência do barulho, Lizzie e Zack não tiveram outra opção se não ver o que acontecia. Claro que interiormente, o instinto era evitar situações que causam desconforto, mas se alguma coisa ruim estava causando aqueles sons o quarto não lhes protegeria.
Assim que pisaram na escada em direção ao segundo andar, eles se depararam com algo inesperado. O som não só parecia mais próximo, como outros novos barulhos começaram a ecoar na casa, e a causa de um deles foi logo percebida bem à frente de Zack e Lizzie: As portas do quarto de Lucy e do banheiro abriam e fechavam com força e sem serem manipuladas por algo ou alguém visível. Não havia vento circulando na casa de forma que causasse aquilo, e não havia qualquer explicação racional para o que os olhos deles viam. Zack foi quem ficou mais assustado, pois Lizzie estava acostumada a manifestações sobrenaturais mesmo que estas fossem mais comuns em sua infância e pré-adolescência. 
Zack exclamava repetidamente “Oh meu Deus” enquanto Lizzie continuava a olhar para os lados em busca da figura de Tito, quem ela culpava sem dúvidas por aquilo tudo.  No entanto, ela também não avistava Tito no segundo andar por onde eles passavam as pressas, principalmente Zack, que mais um pouco corria.
No primeiro andar, a situação estava ainda mais estranha: As lâmpadas do teto balançavam e piscava insistentemente, a televisão ligou e exibia diversos canais que mudavam sozinhos, os utensílios da cozinha rolavam do armário, a torneira da pia jorrava água com potência e o papel de parede descascava de cima pra baixo como se alguém o puxasse; Um forte cheiro semelhante ao exilado por cadáveres tomava conta do ambiente.
- Mas que porra é essa?! – Zack gritou em meio a outras frases de indignação. Ele tremia dos pés à cabeça e seus olhos verdes reluziam o pavor a cada acontecimento desconhecido que avistava. Lizzie olhou aquilo sem sensação de novidade, mas não teve vontade nenhuma de continuar dentro da casa. Infelizmente, quando Zack correu até a porta e puxou a maçaneta, a mesma recusou a abrir por alguns segundos, fazendo o rapaz se desesperar mais um pouco; Era como se alguém do outro lado também a puxasse, impedindo-o de abri-la.
Lizzie também agarrou a maçaneta por cima da mão de Zack, e depois que os dois fizeram ainda mais força, a porta abriu com um impulso que quase os fizera cair pra trás. Sem perder mais tempo, os dois correram para o lado externo da casa, onde tudo parecia completamente normal e diferente do que acontecida do lado de dentro.  Desceram os degraus da varanda e pararam ao fim do jardim. Zack apoiou-se nos joelhos, respirando fundo. Lizzie ficou de pé ao seu lado, acariciando suas costas tentando reconfortá-lo.
- Eu nunca vi algo assim... – disse baixo, levantando os olhos em direção a casa. Zack estava visivelmente confuso e assustado, mas outra pessoa normalmente teria se comportado de forma mais apavorada. Durante todo o tempo que ficaram dentro da casa, Zack segurava a mão à de Lizzie e ficava a sua frente como num gesto inconsciente de proteção.
Lizzie pensou em dizer algo e quis concordar com ele, mas se o fizesse não seria honesta. Apenas assentiu em silêncio, mordendo o lábio, tentando parecer aflita, mas o que a deixava realmente inquieta era o fato de que depois de todo aquele episódio presenciado por Zack, ela não poderia continuar na casa de Martin (como se já não bastasse o que tinha acontecido), logo, não tinha mais onde ficar.
- Como... O que foi aquilo? Você consegue pensar em alguma explicação? –perguntou balançando a cabeça em negação. Zack ainda estava ofegante, mas recompôs a postura e fitava Lizzie, que rapidamente tratou de parecer menos indiferente ao ocorrido.
- Não... Nunca vi nada do tipo – mentiu. Ela não tinha uma explicação realmente sensata ou totalmente verídica sobre atividades paranormais, mas ela já via constantemente coisas do tipo quando sua mãe era viva e depois no orfanato. Coisas bem parecidas como aquela que tinham visto minutos atrás!
- Alguma coisa está errada aqui. Muito errada! – exclamou pensativo. Zack passou a mão no cabelo tirando-o do rosto – E não digo isso só sobre o que acabamos de ver, mas... Desde aquele primeiro incidente com a Lucy, depois o comportamento estranho, a morta dela, Martin vai preso e... E agora isso – Ele coçava a cabeça, e uma expressão desconfiada tomara conta de seu belo rosto – Não pode ser que todos esses eventos não estejam ligados! Agora eu tenho certeza que algo não está certo nessa casa...
Lizzie engoliu um seco. Teve medo de que Zack tomasse noção de que o “erro” era a presença dela, e que todos aqueles acontecimentos incomuns começaram com a sua chegada.
Ela ficou sem saber o que dizer e imaginou se o seu silêncio iria soar como culpa, mas ela não queria mais mentir ou fingir. Omitir já era cruel demais!
- E agora? – foi tudo o que conseguiu dizer e era a única coisa que ainda pensava.
Zack umedeceu os lábios com a língua, encarou a casa uma última vez e voltou a olhar Lizzie preocupado.
- Não sei, mas não podemos ficar aqui – respondeu, e antes de Lizzie poder questionar para onde então ela iria ou que faria, Zack anunciou com bravura – Vamos pra minha casa!


Lizzie confessou a si mesma que estranhara o local em que Zack aparentemente morava.
Ele estacionou na frente de uma casa vitoriana azul celeste cuja tinta começava a descascar em alguns pontos. A construção e um jardim ressacado estavam envoltos de uma cerca de ferro já enferrujada. E o bairro era ainda mais desanimador; Um lado mais obscuro de Trenton que Lizzie ainda não vira, longe do Centro e cheio de casas no mesmo estilo que a de Zack, depósitos de lixo, galpões abandonados e a única movimentação por seres vivos que se encontrava eram a de alguns gatos de rua.
Não que a menina menosprezasse a casa de Zack nem seu bairro, a questão é que ela esperava que ele vivesse num casarão bem localizado, considerando o fato da mãe dele ser mulher do pai de Summer, e pelo o que ele mesmo dissera, o homem era praticamente o cara mais rico da região. Foi inevitável não estranhar.
Zack puxou o freio de mão e teve a delicadeza de abrir a porta para Lizzie, um gesto que ela conheceu pela primeira vez. Além desse cavalheirismo, o rapaz fez questão de agarrar a mão de Lizzie enquanto entravam em sua casa. Era como se ele quisesse deixar bem claro pra quem estivesse naquela rua os vendo que ela estava com ele, mas a questão é que a rua estava deserta. Ou pelo menos, era o que Lizzie pensava.
- Olha, não repara nada, ok? – pediu Zack antes de rodar a chave na fechadura da porta principal. Ela assentiu e os dois entraram.
Quando Zack acendeu a luz, Lizzie se deparou com uma sala não muito espaçosa e móveis humildes. Um sofá desgastado, uma TV de 29 polegadas, uma pequena mesa oval com quatro cadeiras na extremidade do cômodo e um armário de madeira com algumas prateleiras que seguravam utensílios de cozinha. Era um tipo de sala com sala de jantar. Ao lado do armário, encontrava-se um corredor estreito com três portas – dois quartos e um banheiro minúsculo – e uma área acoplada onde ficava o fogão, geladeira e pia.
Todas as paredes estavam pintadas de branco com alguns rabiscos e desenhos feitos a caneta. Tinha bastante louça na pia. Mais do que uma só pessoa pudesse usar sozinha. Havia poucas janelas espalhadas pela casa, o que a deixava imersa numa escuridão mais intensa, quebrada pela luz amarelada e fraca da sala.
Lizzie se perguntou se aquela seria mesmo a casa de Zack, e o que poderia ser além dessa opção. Será que ele não queria levá-la para onde ele vivia com a mãe sua ‘nova família’? Com certeza seria muito constrangedor, e ela não o condenaria por isso. Mas Lizzie não conseguia imaginar ele vivendo naquele lugar!
- Essa é sua casa mesmo? – perguntou enfim, não agüentando mais segurar a curiosidade. Ela estava sentada no sofá da sala, enquanto Zack procurava velas pra acender e colocar nos outros cantos da casa que estavam sem lâmpada. Ele continuou revirando o armário, e murmurou positivamente. Lizzie mordeu o canto da gengiva, olhando novamente a sua volta.
- É provisória. Foi o que deu pra achar e pagar como que eu recebo... Recebia no pedágio – disse sério quando finalmente achou a embalagem com velas. Acendeu três, grudando uma na ponta da pia da cozinha, depois no canto do chão do banheiro, e por último em cima da cômoda ao lado da cama do que aparentava ser o quarto dele – pôsteres de times de beisebol e basquete na parede e roupas masculinas jogadas davam a entender isso. Mas o que deixou Lizzie curiosa foi notar que em nenhum momento ele lhe apresentou o outro quarto, nem mesmo mencionou o que tinha lá dentro ou se pertencia a alguém.  E claro, não acendeu uma vela para o local.
- O que tem no outro quarto? – questionou ingenuamente quando Zack voltou para a sala.
- Olha Lizzie... Eu preciso falar uma coisa pra você – disse, sentando-se ao lado dela no sofá, encarando-a com os lábios contraídos.
Lizzie esperou o que Zack tinha a dizer calada, e ele parecia ter dificuldade em encontrar as palavras pra começar. Ela o fitava ansiosa pra saber do que se tratava, e pela expressão conturbada do rapaz, não parecia algo animador. Ele umedeceu os lábios e então começou a falar com uma voz que começou mansa e foi ficando gradualmente nervosa:
- Minha mãe ficou com o pai de Summer logo após o falecimento do meu pai. Eu odiei aquilo, óbvio! Summer mais ainda por sempre ter sido mimada a vida toda – Zack deu uma breve pausa e inspirou fundo – Summer pediu minha ajuda algumas vezes pra tentar separá-los, e eu concordei em todas elas. Na ultima tentativa o plano deu certo, o que acabou fazendo eles se separarem...
- Foi aí que você e ela vieram morar aqui? – Lizzie perguntou quando Zack novamente fez uma pausa.
- Não. Eu nunca fui morar com a minha mãe na casa de Summer. Minha mãe é que veio ficar aqui depois que saiu de lá – respondeu fazendo uma careta.
- Entendi. Então aquele quarto fechado é o dela?
- Praticamente! Mas ela quase nunca fica aqui...
Lizzie imaginou que ele fosse completar a explicação dizendo o que sua mãe fazia pra quase nunca ficar em casa, mas ele parecia bastante desconfortável com a conversa e mostrava não querer passar mais informações. Ela não se deixou satisfazer.
- O que ela faz? – questionou tentando deixar a pergunta casual.
- Pelo o que eu sei, fica bebendo e jogando por aí – a voz saiu junto de uma expressão de constrangimento. Lizzie contraiu os lábios sem graça. Percebeu que estava cutucando numa ferida ainda aberta de Zack e decidiu que não iria mais incomodá-lo fazendo perguntas indesejadas. Talvez, pior do que não ter mãe, era ter uma mãe que você desejava não existir. E no fundo Lizzie sabia como era sentir aquela sensação.
Infelizmente, ela também bem que gostaria de prosseguir a conversa! Tinha mais perguntas. Achava fofo o fato de ele ter recebido a mãe em sua casa mesmo depois dela ter se jogado nos braços de outro homem após a morte do ex marido e pai dele. No entanto, Zack era um dos culpados pela separação da mãe e do pai de Summer, e se ele tinha tanta raiva assim, será que ela a recebeu tranquilamente em sua casa? E o que acontecera com a casa onde ele morava antes do pai falecer? Pelo o que deu a entender, a atual passou a ser usada quando ele começou a trabalhar no pedágio.
Lizzie tinha pelo menos meia dúzia de dúvidas, mas preferiu ficar quieta e respeitar a privacidade de Zack.
- Mas não se preocupe. Ela não vai nos perturbar – disse, abrindo um sorriso desajeitado – Você pode andar tranqüila aqui dentro e dormir no meu quarto...
Lizzie retribuiu o sorriso ainda pensando se poderia mesmo sentir-se a vontade naquela situação. Estava na casa de um garoto que conhecia a menos de duas semanas e que abrigava a mãe problemática com quem poderia topar a qualquer momento, o que seria muito estranho! E o pior disso tudo era que Lizzie não tinha muitas opções. Ou era a casa de Zack ou a rua.
- Eu vou dormir aqui na sala pra você ficar mais confortável lá no quarto – avisou. Lizzie imediatamente balançou a cabeça em negação.
- Não, claro que eu não vou permitir isso! – exclamou e sorriu travessa – Você dormirá comigo oras.
Zack preparou alguns sanduíches de pasta de amendoim e um refrescante suco de laranja cujas frutas foram espremidas por ele mesmo. Eles comeram sem pressa e um pouco mais animados enquanto assistiam a um programa de humor. Depois, Lizzie se encarregou de lavar o que Zack havia sujado pra fazer o lanche – nada de muito trabalhoso – e ele trocou as roupas de cama.  Ao terminar, Lizzie decidiu se banhar.
O banheiro era bem pequeno, de azulejos azul bebê. Tomou ducha morna e demorada, pois aproveitou pra repassar em sua mente todo aquele dia de novo. Zack apareceu no banheiro minutos depois e lhe ofereceu toalha limpa. Num gesto involuntário, Lizzie protegeu as partes íntimas com as mãos, tampando-as. Ele deu uma risada boba.
Na verdade ela não se sentia tímida com Zack, mas o que tinha era vergonha de seu corpo. Jamais se achara muito atraente. Não era voluptuosa, e nem mesmo tinha um corpo estilo modelo como a Summer.
- Toma, use essas roupas aqui pra dormir!
Zack pousou sobre a tampa fechada do vaso uma camiseta preta e um samba-canção xadrez, ambas provavelmente dele.
Ele deixou-a novamente sozinha no banheiro e ela pôde tranquilamente se enrolar na toalha. Usou uma escova de dente que ele também disponibilizara, penteou os cabelos e deu uma boa olhada em si mesma no espelho. Perguntou-se mentalmente o que Zack, um garoto bom e lindo como jamais vira, poderia ter visto nela. Lizzie era, de fato, introspectiva, sem muito conhecimento sobre o mundo e não totalmente honesta, mas ela se menosprezava bem mais do que merecia. Aumentava pequenos defeitos e não via valor em suas qualidades ou aparência.
Vestiu a roupa emprestada – que obviamente ficaram um pouco largas, mas deram um toque divertido e sensual – e depois foi para o quarto de Zack.
- Linda! – exclamou com um sorriso gentil. Lizzie corou, tampando o rosto com uma das mãos e enroscando o dedo na barra da camiseta com a outra. Ele se aproximou e estalou os lábios úmidos carinhosamente em sua bochecha, o que a fez fechar os olhos instintivamente para sentir o toque - Eu vou escovar os dentes e já volto! – avisou antes de sair do quarto.
Lizzie se jogou na cama de solteiro, agora forrada com um lençol branco e macio. Ia ser complicado dividi-la confortavelmente com Zack, mas seria melhor dormir abraçada com ele do que sozinha numa cama de casal.
Minutos depois ele retornou ao quarto e ao vê-la já deitada, fez o mesmo. Ela apoiou a cabeça no peito dele, o abraçando pelo tórax; Ele levou um dos braços atrás da cabeça sob o travesseiro e com o outro acariciava as costas de Lizzie. Mesmo a janela fechada e o ventilador desligado, eles não sentiam calor. Sem vento entrando no quarto, a chama da vela permanecia parada, dando um toque de luz acobreada em meio à escuridão do cômodo.
- Não consigo parar de pensar naquilo que aconteceu na casa do Baby – Zack murmurou baixo depois de um tempo em silêncio. As pálpebras de Lizzie já tinham começado a cair como resultado do cansaço e do carinho que ele fazia em sua pele. A voz dele despertou-a, mas nada veio em sua mente para dizer – Eu posso jurar que além daquelas... Daquelas coisas estranhas acontecendo, eu também senti um tipo de, sei lá, energia ruim em volta. Era como se o ar tivesse ficado mais pesado e tóxico. Não sei explicar, mas era como se sentir infeliz!
Lizzie sabia como era aquilo. Era exatamente o tipo de sensação que Tito causava em certos momentos de tensão. E no mesmo instante em que pensou nisso, ela correu os olhos pelo quarto. Ela não sentia a presença de Tito desde que saíra da casa de Martin, mas queria se certificar que ele não estava por ali.
Ela jamais entendera o que motivava Tito a perturbá-la, ou então porque em alguns momentos ele sumia e de repente voltava. Lizzie só sabia que não tinha como evitar, apenas se acostumar.
- Você não sentiu? – Zack perguntou, novamente quebrando o silêncio que se instalou quando ela não disse nada a respeito.
- É, acho que sim... – respondeu tensa.
Zack continuou olhando o teto pensativo enquanto Lizzie fitava a porta também imersa em pensamentos conflitantes.
A cama de solteiro deixava seus corpos colados e o quarto estava todo envolto a um clima aconchegante e romântico. Tudo conspirava pra uma noite calorosa e apaixonante... Pena que o dia tinha sido um completo desastre, deixando-os absortos e preocupados demais para pensar na hipótese de fazer alguma coisa mais “íntima”.
Na manhã seguinte, Lizzie acordou com um barulho chato e insistente. Ela abriu um pouco os olhos e se deu conta de que era o celular de Zack tocando em cima da cômoda que ficava ao lado da cama, o que a fez perceber que anteriormente não sabia que o garoto tinha o aparelho. Lizzie urrou e tentou voltar a dormir.
Zack olhou a tela do celular e fez uma careta. 
- Alô? Fala! O que você quer? – murmurou num volume bem baixo. Lizzie conseguiu ouvir uma voz alta e feminina sair do aparelho, o que a deixou curiosa. Os olhos estavam fechados, mas os ouvidos atentos - Mas há essa hora? Não pode ser depois? Ok, Ok... Fico de pé em 10 minutos. Mas nada de demorar, ta bem?! – Zack abaixou a voz principalmente nessas últimas frases antes de desligar o telefone, quase sussurrando.
Ele tomou cuidado para sair da cama achando que Lizzie ainda dormia, mas a verdade é que ela estava bem mais acordada do que ele.
Quem poderia ser no celular? O que a pessoa falou ou pediu que o fizesse se levantar, mas que não queria demorar a fazer?
Como o banheiro era de frente para o quarto, Lizzie pôde ouvir Zack escovar os dentes e abrir a geladeira. Quando percebeu que ele estava andando de volta em direção ao quarto, fechou os olhos novamente e só o sentiu puxar o edredom até os ombros dela. De fato, aquela manhã estava mais fria, e uma brisa gélida passava pelas frestas da janela.
Lizzie não soube bem porque continuou fingindo, mas no fundo esperou que daquela forma ela pudesse depois ver escondida o motivo que tirara Zack da cama. Daquele jeito ela não atrapalharia o rumo normal dos planos que ele e a pessoa do outro lado da linha tinham combinado.
Cerca de dez ou quinze minutos depois da ligação, o som de uma buzina fez Zack sair pra a rua. Lizzie imediatamente pulou da cama e ficou atrás da janela do quarto espiando, e por sorte, as frestas na madeira era suficiente para ela enxergar o lado de fora, justamente a calçada de frente da casa. E ela não pôde ficar mais surpresa e incomodada do que ficou quando viu que Summer era a pessoa que buzinava o carro estacionado.
A loira usava um conjunto bem casual de moletom coral, tênis e óculos escuros nada convencionais para o tempo nublado. Quando Zack se aproximou, Summer o abraçou com fervor – o que o deixou meio sem jeito a principio, mas acabou passando os braços em volta da menina. Lizzie sentiu uma onda de ciúmes, e talvez outros sentimentos que não conseguiria explicar, cruzar sua espinha.
Lizzie não conseguia imaginar o que Summer podia ter falado ou pedido de tão urgente e especial que fizesse Zack acordar e deixá-la sozinha na cama. E agora que os pais deles estavam separados, o que mais eles teriam pra fazer juntos? E se Zack mostrava não sentir qualquer grande afeto por Summer na frente de Lizzie como ele fazia, porque ali onde ele achava que ela não estava vendo, ele permitiu que Summer o abraçasse daquela forma?
Enquanto ficava os olhando pela janela, Lizzie começava a se sentir cada vez mais confusa. Sabia que muitas coisas a respeito da história de Zack e de Summer estavam incompletas ou mal explicadas. Aliás, quase nada sabia sobre Summer!
Os dois conversaram por alguns minutos depois do abraço. Zack se sentou no capô do carro, e a loira ficou de costas para a casa, o que não permitiu que Lizzie visse perfeitamente as feições que ela provavelmente fazia enquanto falava. As mãos não paravam de se agitar e fazer gestos no ar, e os pés também estavam inquietos.
Houve um momento que Lizzie notou Summer tampar o rosto, e pelo jeito que suas costas tremiam, deu a entender que ela chorava. Por uma fração de milésimos Lizzie imaginou que estava se irritando demais e chegou a se preocupar se algo grave ou triste acontecera, mas foi num segundo depois de levar as mãos ao rosto que Summer se jogou em Zack, beijando-o na boca.
Aquilo Lizzie não agüentou presenciar, nem mesmo por de trás de uma janela a alguns metros de distância. Involuntariamente seu estômago embrulhou, seu coração bateu rápido e seus olhos lacrimejaram. Lizzie se afastou da janela e começou a andar em ziguezague pelo quarto, pensando no que acabara de ver. Negou-se a chorar ou se desesperar.
 “Não somos nada! Nunca fomos e nunca vamos ser!” – repetia mentalmente, além de repreender a si mesma. A imagem de Summer e Zack se beijando latejava em sua mente.
“Sua idiota. Como pode ter achado que isso seria diferente? Será que nunca vai aprender que nada na sua vida vai ser bom ou normal? ”Lizzie desejou sair correndo daquela casa, mas alguma coisa prendia seus pés. Sentiu vontade de ir até Zack e dizer o quanto o repudiava e enjoava, mesmo que isso só fosse verdade naquele momento em que sentia raiva.
Desorientada, Lizzie tirou as roupas do rapaz e vestiu as delas. Com as mãos trêmulas, abriu a geladeira e virou uma garrafa de água direto na boca. E quando se sentiu forte o bastante pra deixar a casa e passar em disparada pelos dois, ela ouviu a porta da entrada se abrir.
Lizzie ficou imóvel no meio da sala olhando fixamente para Zack que acabava de entrar. Ao encontrá-la ali de pé, com a roupa dela no corpo e uma expressão mista de raiva e decepção, não tinha como não passar imediatamente em sua cabeça que ela tinha visto o que acontecera.
Ele tinha os lábios contraídos e um olhar penoso.
- Ac-conteceu alguma coisa? – Zack perguntou controlando-se pra não gaguejar. Lizzie cerrou os dentes e contraiu os cílios. “É aconteceu que você é um filho da mãe e eu uma otária!” – pensou, mas de sua boca saíram palavras menos agressivas.
- Acho que nós dois sabemos muito bem o que aconteceu! – respondeu. Sua voz exibia firmeza e sobriedade, bem diferente de sua cabeça. Uma minúscula parte sombria da mente de Lizzie desejava e imaginava mal a Summer, mesmo sabendo que só os lábios dela não fariam aquele beijo. Ela bem que gostaria de sentir o mesmo ódio por Zack a ponto de imaginá-lo sofrendo, mas em vez disso, só sentia repugnância e angústia.
- Se nós dois sabemos, então eu suponho que você tenha visto tudo o que aconteceu, não é mesmo? – ele arqueou a sobrancelha, cobrando-a algo que ela não tinha pra oferecer. A verdade é que Lizzie abandonou a janela antes de ver Zack empurrar Summer assim que ela o beijou sem permissão, e irritado, ordenar que ela fosse embora.
- Eu vi o suficiente pra finalmente entender que eu tenho que me mandar – disse e começou a caminhar em direção a porta ainda aberta. Zack, que por sua vez, ainda estava na frente da porta bloqueando a passagem, continuou parado impedindo que Lizzie passasse.
Ele segurou no pulso dela, que tentou puxar sem eficiência.
- Por favor, fique...  – pediu. Lizzie engoliu em seco e piscou os olhos repetidamente a fim de evitar que estes marejassem.
- Me larga – murmurou – Eu nunca deveria ter vindo pra cá ou me deixado envolver por você. Sinto muito. Isso tudo é erro meu!
Zack balançava a cabeça em negação, agarrando o pulso de Lizzie mais de leve. Enquanto se encaravam, houve uma intensa troca de olhares expressivos que transitavam entre o rancor dela e de súplica dele.
- E pra onde você vai? – perguntou com preocupação.
- Isso não importa... Sempre estive sozinha por aí. Não vai ser a primeira vez, muito menos a última. Fique tranqüilo! – respondeu com indiferença. Lizzie realmente queria manter uma postura madura diante de tudo que pensava e sentia de negativo naquele momento sobre Zack, o que tinha visto e todo o resto. Jamais tinha lidado com aquele tipo de situação e mesmo que quisesse mostrar toda a sua raiva, só o que conseguia era expor amargura – Pode me soltar agora? – perguntou de um jeito que mais parecia uma ordem.
Zack abriu a mão, deixando o pulso de Lizzie livre. Com isso, ela passou pela porta sem olhar para trás ou mesmo dizer “tchau”. Teve curiosidade e sentiu vontade de espiar pelo ombro para ver se ele continuava parado, se corria atrás dela ou se quer a via partir com uma expressão desesperada. No entanto ela seguiu andando sem destino, faminta, sem dinheiro, documentos ou pertences. Sua bagagem era apenas um encosto assassino, lembranças macabras e uma pequena maleta com orgulho e impulsividade que a impedira de resolver o problema com Zack de forma racional, o que a faria ainda ter um teto provisório e o garoto que estava apaixonada... Mesmo assim, ela andava de cabeça em pé, achando que estava fazendo o certo.
Lizzie estava andando em um bairro totalmente desconhecido de uma cidade que mal conhecia. Lamentou não ter prestado atenção no caminho quando Zack a levara para ali na noite anterior, e agora estava completamente perdida numa rua onde tudo parecia à mesma coisa.
A manhã estava gelada e nublada como sempre costumava a ser em Trenton. Novamente notava-se quase nenhum movimento naquele bairro, e nem mesmo gatos pulavam entre os muros. Lizzie se abraçou, esfregando os braços desnudos. Nem se quer sabia que horas eram, e pouca diferença isso fazia. Dez horas ou meio dia, não importava à hora, ela estava sozinha, perdida e com fome. Pensar nisso fez sua barriga roncar.
Estava andando por uma rua reta fazia alguns minutos, e já nem se podia visualizar a casa de Zack. Lizzie sentiu uma ponta de arrependimento de ter saído daquele jeito, não dando uma única oportunidade do garoto de se explicar – ou ao menos contar o que ela não tinha visto pela janela. Se tivesse feito isso, ela não estaria naquela situação. E ela já nem sabia mais o que era pior.
O fim daquela rua parecia não ter fim, e Lizzie não queria se arriscar entrando em alguma curva ou ruela. Por isso, decidiu que iria caminhar em frente até chegar a algum lugar. Não sabia onde ou quando, mas não tinha muitas opções. Ninguém passou por ela nos primeiros cinco minutos de caminhada, e depois disso, só um mendigo e uma senhora bem idosa cruzaram seu caminho. Nenhum dos dois aparentava boa sanidade pra lhe passar informações corretas de como encontrar o centro de Trenton, onde pelo menos ela se sentiria mais segura.
Ainda assim, mesmo no centro da cidade, ela continuaria sem destino. Não tinha onde ficar como hospede, e não tinha dinheiro pra pagar um hotel, motel, albergue ou qualquer coisa do tipo.  Isso iria acontecer cedo ou tarde, e foi tarde. Lizzie agradeceu bastante anteriormente por ter encontrado Martin justamente no dia em que chegara a Trenton. “Podia ter sido muito pior... Ou não?” – pensou, mas era difícil saber.
A vida de Lizzie sempre foi sem rumo, e mesmo quando estava no orfanato, ela sabia que não pertencia aquele lugar ou qualquer outro lugar naquela cidade. O que lamentava era que tinha saído de lá com um propósito e acabou o esquecendo quando chegou a Trenton e se viu no conforto de uma casa e de uma família.
Xingou e se ofendeu mentalmente.
“Droga! Era pra ter achado o tal Raul, sua burra.” De repente, Lizzie avistou uma pessoa sair de uma casa e começar a andar em sua direção aparentemente por acaso. Quando eles ficaram numa distância de 2 metros e o homem parou em sua frente, foi que Lizzie estremeceu. Era um homem de meia idade, com algumas rugas espalhadas pelo rosto, olhos verde-escuro, cabelo ralo jogado para trás, barba e bigode brancos e aparados; Usava uma camisa preta de manga longa, calça jeans surrada e chinelo.
O homem estagnou na frente de Lizzie, analisando-a com os cílios contraídos. Ela tentou passar pela direita e pela esquerda dele, mas ele continuou bloqueando sua passagem.
- Com licença? – pediu, fingindo que ele não estava a impedindo de passar. Mas não adiantou.
Lizzie também paralisou, encarando-o impaciente.
“Não parece ameaçador... Seja lá o que ele quer fazendo isso, eu corro mais do que ele!” De fato, ele não parecia nem um pouco ameaçador. O homem tinha aquela cara de avô engraçado que adora contar piadas e presentear os netos. Não exatamente com a cara avaliativa que ele fazia para Lizzie, claro.
- O senhor quer alguma coisa? – perguntou sem um tom muito gentil, mas sem ser arrogante também.
- Não, não eu. Você quer – respondeu. Sua voz parecia mais jovem do que sua aparência, mas seu tom era misterioso, o volume era bem baixo e seu hálito parecia de café.
Lizzie franziu o cenho sem entender o que o homem insinuara, e pensou em tentar passar por ele novamente – E aquela coisa que te acompanha também quer! – ele continuou dessa vez seu olhar parecia atravessar o corpo de Lizzie. Ela gelou e a idéia de continuar andando sumiu de sua cabeça.
Lizzie olhou diretamente nos olhos do homem como se tentasse arrancar respostas para tudo que ela se perguntava mentalmente naquele momento. O jeito que ele falava só dava a entender duas coisas: 1- Ele era maluco e estava dizendo coisas aleatórias pra ela 2- A coisa que acompanha Lizzie era Tito e ele sabia. Como ele sabia daquilo? Ela não tinha idéia, mas estava muito interessada em saber. E assustada com a forma como tinha topado com aquele homem.
- O que você quer dizer? – indagou tentando parecer realmente desentendida.
- Você veio pra cá me procurar, se estou certo. Quer se livrar dessa sombra... – balbuciou. Ele continuava a olhar através de Lizzie, como se conversasse com alguém que estava atrás dela.
Lizzie abriu a boca incrédula.
- Então você é o Raul? – ela nem podia acreditar no que o homem dava a entender.
- Raul? Er, nossa, essa é velho – ele fez uma cara de quem acabava de recordar alguma história engraçada e soltou uma risada – É, esse é um dos meus nomes.
Lizzie bateu a palma da mão na testa e não conteve um largo sorriso de satisfação. Estava pensando no bendito há alguns segundos, e como num milagre inacreditável, ele apareceu diante dela. Quais eram as chances de isso acontecer, ainda mais no quadro em que ela se encontrava? Pra uma pessoa normal, as chances eram mínimas!
Mas Lizzie não era “normal”...